quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Historinha de Carnaval.

Noite de sábado de Zé Pereira e as ladeiras de Olinda estavam apinhadas de foliões, bêbados, passistas e bonecos gigantes, embalados pelos clarins das bandas de frevo e seus músicos suados e quase sem fôlego.
Era mágico participar de tudo aquilo, Talena estava feliz; era seu primeiro carnaval em Olinda, em compainha de alguns amigos da faculdade e (muitas) latas de cerveja. Pulava, dançava, tentava cantarolar, sem sucesso, as melodias populares da região...o barulho ensurdecedor não permitia que ouvisse o som da própria voz. Mas ninguém se importava, até por que se quisessem silêncio, teriam procurado praias semidesertas.
As cervejas acabaram e Talena se ofereceu pra ir comprar mais num bar próximo. Recolheu o dinheiro e dirigiu-se ao bar acompanhada de Aline, uma colega de turma. Enquanto esperavam as cervejas no balcão, puseram-se a conversar sobre o quanto era legal o carnaval ali, já que o som agora tinha dado uma trégua.
-É como viajar no tempo dos meus avós e curtir toda a inocência e alegria dos foliões!- Dizia Aline eufórica.
-Com certeza! Olinda foi mesmo a melhor opção para...
Talena não conseguiu terminar a frase ao observar que do lado oposto do balcão, estava Eric, um ex-namorado galinha e imaturo, com uma morena igualmente desinteressante pendurada no pescoço.
Ela quis morrer: fez questão de passar o carnaval em Olinda pra não ter o desprazer de topar com aquele infeliz no Recife Antigo e lá estava o delinqüente protagonizando uma cena desprezível e manchando de preto o colorido alegre do carnaval, até então, agradável.
-Viu fantasma, Lena?- Perguntou Aline preocupada com a repentina mudança de feições de sua amiga
-Antes fosse, ao menos não estaria tão aborrecida.
Aline virou-se pra onde Talena estava olhando e entendeu o porque da cara zangada dela. Pegou as cervejas e arrastou Talena pra fora do bar antes que houvesse uma brusca mudança no humor de Talena e ela fosse pra casa.
Talena estava tão concentrada em se divertir que o incidente no bar logo foi esquecido e no domingo já estavam todos ladeira a cima de novo, com a mesma euforia e excitação.
Algumas cervejas e muitas horas depois, todo mundo estava alegre demais pra voltar pra casa no meio da madrugada; resolveram sentar pelos bancos de uma praça próxima, esperar o dia amanhecer pra aparecer alguém em condições de dirigir a van que haviam alugado pra se transportar aos pólos de folia. Foi nesse momento que Talena conheceu Fernanda. Era bonita, olhos quase verdes, corpo esguio e moreno de sol, cabelos lisos, baixinha; e estava esperando alguns amigos pra voltarem pra casa juntos. Eram quase quatro da manhã quando trocaram telefones e um beijo; Talena era bissexual desde os 14 e Fernanda, se não fosse, não denunciou. Despediram-se sob a promessa de se verem à noite de novo, na mesma praça algumas horas mais cedo; se comunicariam pelo celular.
A segunda já foi menos movimentada. As ladeiras ainda estavam cheias, mas Talena e seus amigos decidiram ficar na mesma praça que esperaram o dia amanhecer ao invés de pular atrás dos blocos pelas ladeiras. Quase meia noite quando Talena sentiu o celular vibrar. Em meio aos gritos e à música altíssima, ela ouviu algo como:
-Talena, é Fernanda.
-Pode falar.- Ela respondeu.
-Não vai dar...Hoje...Meu namorado...Aqui...Outro dia?
“Uma bi comprometida... ótimo, Talena!” Ela pensou.
Foi tudo o que Talena entendeu. Não estava decepcionada, nem magoada, era só uma ficante; quantas não faziam aquilo ou coisa pior?
-Tudo bem, linda, nos falamos depois. Até mais.
Talena desligou ciente que aquele “depois” e o “até mais” obviamente não existiriam nunca. Agora era só aproveitar o resto da noite e os blocos com seus foliões animados.
Até que Talena com os olhos perdidos na multidão viu Fernanda pendurada no pescoço daquele seu ex-namorado...Como era mesmo o nome dele?
* Gargalhadas internas *
Agora sabia porque aquele rosto lhe pareceu tão familiar uma noite antes.


Bom carnaval, estimados leitores!

E nada de pílula do dia seguinte!

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Compulsivamente

Naqueles dias que não deviam ter raiado
Que nada dá certo, que até os programas do dia seguinte são desmarcados
Que expectativa é uma mera palavra sem gosto e significado
Que a vontade é deitar e olhar pro teto ouvindo Joplin no repeat automático
Que até o clima contribui para a pseudo-depressão...chove!
Que a vontade que dá é topar com o mais odiado dos seus ex-namorados e mostrar o quanto você está mais desejável
Só pra o dia ter um pouco de emoção...

Que a vontade que dá é postar aquela carta que você escreveu pra quem mais odeia(!)
Que o telefone pede que você ligue pro seu amor platônico e abra o jogo
Que seus olhos castanhos seriam melhor verdes
Que você não precisa levantar pra fazer unha e escova; você não vai sair mesmo
Que até o fogão parece convidativo, mas o tédio não dá fome
Que você troca o new metal por mpb
Só pra o dia ter um pouco de emoção...

Que você banaliza o "eu te amo" nosso de cada dia
Que você finalmente parou pra afinar o violão
Que a casa vazia na penumbra é o cenário perfeito pra começar uma crise de choro
Que você quer matar ou morrer
Que tudo seria melhor com um pouco de sal e menos preguiça
Que você se aventuraria por aí com quem acabou de conhecer
Só pra o dia ter um pouco de emoção...



A tal da mente vazia é foda!

sábado, 19 de janeiro de 2008

Meu primeiro amor.

Sinceramente não sei o que vai sair daqui, mas estou com uma necessidade absurda de escrever. Carências à parte, vamos trabalhar que o leitor é curioso e eu, impaciente.

Ela tinha esse hábito desde criança. Copiava as historinhas em quadrinhos da turma da Mônica e, quando completou dez anos, ganhou seu primeiro diário; ela não sabia que o presente mudaria sua vida pra sempre. Ele era grande: tinha cerca de trezentas folhas, e ela anotava coisas até nos rodapés das páginas. Se ganhava um bom-bom, colava o papel nele, se chorava, molhava uma página com uma lágrima: era seu companheiro inseparável.
Chegou aos onze com o mesmo diário, que a acompanhava pra todo lugar. Sempre estava na mochila, e ela protegia com a vida, já que não tinha chave.
Junto com seus onze anos, vieram as primeiras paixões de infância. Marcelo foi seu primeiro “amor arrebatador”. O diário tinha páginas e mais páginas com corações coloridos com hidrocor o nome dela escrito com o dele. Ela guardava seu amor, Marcelo e sua alegria ali.
Um dia conseguiu uma foto dele, e onde ela foi parar? No diário, lógico! Ela colou numa página que fez questão de colorir, colou com cola e glitter, enfim...ficou lindo!
Ela dormia olhando pra foto; não se admirava mais ao acordar com o bendito diário na cara.
Certa vez deixou a mochila na arquibancada e foi jogar queimada com as meninas na quadra. Tudo foi muito divertido, com risos, muita poeira nas saias e rabos de cavalo. Foi uma manhã espetacular; ela gostava das aulas de educação física pra ficar com as amigas jogando queimada ou conversa fora mesmo. Foi pra casa feliz.
Quando chegou ao colégio, no outro dia, todos, meninos ou meninas, mais velhos e mais novos, olhavam pra ela e disfarçavam um risinho com as mãos. Não era pra ela, lógico. Não podia ser pra ela. Pelo menos preferia acreditar que não era dela que estavam rindo. Continuou caminhando, com a cabeça erguida, sorrindo falsamente aqui, ali, disfarçando porque estava sem graça. Não demorou muito pra saber o motivo de tamanha euforia dos seus colegas: Marcelo estava sentado num banquinho qualquer do pátio, rodeado de meninos da turma dele. Estavam todos lendo entretidos algo que parecia um livro. Olhou mais de perto, se aproximou e qual foi a surpresa quando viu que o motivo de tantos risos clandestinos era nada menos que...
-MEU DIÁRIO!
Como havia parado ali não sabia, mas com certeza não tinha dado a falta dele, já que quem arrumava suas coisas, era a mãe. Aliás, um dia antes daquele foi um dos poucos que ela não pegou no diário.
Todos riam da cara dela, descobriam seus segredos, viam seus desenhos; inclusive os corações com o seu nome e o de Marcelo gravado e a foto dele, colada com cola colorida. Queria morrer. Não acreditava que aquele que julgava ser o amor da sua vida, aquele que ela queria como um namorado, que ela sonhava passear de mãos dadas, trocar presentes no famoso doze de junho, estava lhe ridicularizando, ridicularizando seu sentimento, seu amor! Ficou cega; arrancou o diário das mãos daquele canalha (sim, foi essa a palavra que lhe veio à cabeça na hora!) e bateu na cara dele com a capa dura; ele fingiu que não doeu e começou a rir. Não suportou o deboche e pulou em cima dele; bateu na cara dele até o nariz sangrar e os arames arranharem o rosto, desmanchando o sorriso sarcástico. Quando ela viu os inspetores se aproximando não pensou em outra coisa; correu pro banheiro e lá ficou a manhã toda chorando trancada num boxe, apesar dos gritos da sua mãe e dos apelos da diretora do colégio para que se afastasse para arrombarem a porta.
Mas ela não desencostou da porta, praguejou a todos, amaldiçoou o jogo de queimada, que fez com que se desligasse da mochila; não deixaria que a humilhassem de novo.
Maria Helena foi expulsa do colégio e talvez por isso ainda escreve, mas não com tanta e nunca com a mesma emoção.

domingo, 13 de janeiro de 2008

"Quanto vale um suspiro"- sob um outro olhar.

Antes de ler, clique aqui. Se já leu, desconsidere a breve interrupção.

O hospital estava no auge da correria. Era inverno e as chuvas em São Paulo faziam as mais diversas vítimas; desde acidentados até viroses. Trabalho dobrado para os enfermeiros e * estava quase louco. Nada que não pudesse dar conta, até porque sabia que ser enfermeiro era lidar com a vida dos outros num ritmo alucinante. Além de ter aprendido a sobreviver ao cheiro de doença, aprendeu também a driblar as cantadas das outras enfermeiras e médicas do seu setor. Conseqüência do charme natural e dos cabelos desgrenhados que lhe davam aparência de menino carente, além da voz grave e do andar másculo.
Sair do hospital depois do plantão era mergulhar num universo paralelo delicioso, onde só existiam ele, uma garrafa de vinho ou cerveja, Stone Temple Pilots tocando à meia altura, enchendo de cor o apartamento iluminado pela débil luz do dia nublado e a vizinha do apartamento em frente, no prédio do outro lado da avenida. Disfarçadamente contemplava a silhueta da morena esticada na espreguiçadeira da sala, sonhando acordada, solitária, segurando numa das mãos algo que parecia um papel e na outra uma caneca cheia de alguma coisa, ouvindo algo indistinguível, mas com certeza era tranqüilo. Sempre que voltava do trabalho, * olhava em direção à janela dela na esperança de vê-la antes de adentrar os portões do seu prédio. E continuava a fazê-lo quando sentava na poltrona depois de ligar o som.
Era um misto de desejo e adoração. Vê-la de camisão preto, tomando e ouvindo qualquer coisa, despertava em * os mais deliciosos calafrios e um instinto protetor que um homem só sente duas vezes na vida: diante da mãe ou de um filho. Era rotina procurar, dentre as mil maneiras, uma para dirigir-lhe a palavra quando se encontravam, eventualmente, na padaria. Mas quando encontrava uma, ela já estava recolhendo suas compras e indo embora. * se desesperava ao vê-la ir, mas excitava-se como uma criança e um brinquedo novo ao vê-la no janelão de seu apartamento. E seus devaneios construíam uma ponte interligando os dois prédios, ela vinha caminhando linda e segura sobre ela e caia direto nos braços dele, com um cheiro maravilhoso de vinho no hálito quente e de sabonete na pele bronzeada, dizendo (por que não?) “*, eu te amo!”.
Era loucura. Nem se conheciam, mas de alguma maneira, se amavam. * se sentia o pior dos idiotas, sonhando com alguém que nem sabia o nome. Ela só lhe despertava as mais loucas fantasias... isso.
“À merda com o pudor! O que me impede de ser feliz com ela? Se não der certo não seríamos o primeiro casal do mundo a se separar! Pronto!”. Pensar nisso o assustava, porém mais louco ainda era pensar em como um dia estariam juntos. “Birutices de um idiota apaixonado” dizia pra si mesmo. Mas quem é mais feliz que os idiotas apaixonados? Que se entregam de corpo e alma para alguém que nem conhecem em troca de migalhas de atenção? * era um deles e nada o deixava mais contraditoriamente feliz que isso.
Num fim de tarde chuvoso, depois do expediente, voltando para casa com os ingrediente para uma macarronada no pacote pardo da padaria, sob o guarda chuva, mal pode acreditar no que estava vendo: ela saia correndo do prédio que morava em direção à avenida. * sentiu o coração disparar e as pernas tremerem quando percebeu que ela corria em direção ao prédio dele, mas continuou andando. Talvez fosse visitar alguma amiga que morava lá, não importava; ia convida-la pra entrar, se secar perguntaria quem ela procurava enquanto ela secava os cabelos com uma toalha dele, ouviriam Stone Temple Pilots, comeriam a macarronada, dormiriam juntos...Seria maravilhoso!
*
viu seu devaneio destruído por um sedan preto que esmagou o corpo frágil e molhado de sua amada desconhecida, quando ela tentava atravessar a avenida sem perceber o semáforo verde. Sem pensar, largou o pacote, pegou-a nos braços e colocou-a no carro de um senhor solidário que se ofereceu para socorrer a acidentada. A única coisa que * pode ouvir foi um “eu te amo” quase inaudível vindo dela em seu último suspiro. Ao ler o laudo médico, soube que ela morreu de parada cardíaca e que se chamava Clarissa.