quinta-feira, 11 de setembro de 2008

As coisas em baixo da cama.

Ela devia ter seus 18 ou 19 anos. Não cabe aqui lembrar. De fato, ela ia explodir e precisava fazer alguma coisa antes que isso acontecesse.
Acerca de paredes devia ser o sub título desse post, porque é justamente delas que eu vim falar; paredes frias, nuas, que comprimem o ser e dilaceram a alma, pelo menos no sentido menos dramático da expressão (se é que ele existe!).
Diva era saudável, tinha um futuro brilhante perante a inteligência e, como toda boa menina mal compreendida, tinha uma rixa inexplicável com a figura do pai.
Não era antiga, de fato. Na infância, Diva tinha o pai como referencial de moral, bons princípios e uma direção que apontava sempre pro certo e pro melhor. Eram grandes companheiros, e talvez por causa disso ela houvesse crescido com uma certa masculinidade no jeito de falar e andar.
Tudo isso veio por baixo naquele dia, quando ela tinha 16, na casa de praia. Ela só pegou o celular do pai pra dar um telefonema inocente, ela não queria se deparar com aquilo. Tudo para que Deus (ela acreditava nele) lhe privasse de testemunhar tal desventura.

Estou com saudade.
Me ligue assim que voltar da praia. Beijos pra você, semana passada foi maravilhoso.

Como assim?? O que havia de tão maravilhoso assim? E com quem?
Um turbilhão de pensamentos surgiram na pobre cabeça feliz e brilhante de Diva. Contar pra mãe, jogar o celular na cara do pai, gritar pros quatro ventos que o pai tinha uma amante ou...
Se calar. E deixar o tempo curar tais feridas.
Diva começou a fumar, e mais que nunca decidiu arranjar um vício. Ao contrário do que acontece todo dia com as melhores famílias, Diva não se tornou uma rebelde sem causa. Mergulhou de cabeça nos seus estudos, nos seus livros, no seu violão e até nos esportes; começou a nadar pra esfriar a cabeça (literalmente).
Tudo era válido, desde que só precisasse chegar em casa para encontrar o pai dormindo, exausto depois de um dia de trabalho.
Eles pararam de se falar gradualmente. Primeiro conversavam pouco, no máximo um comentário besta sobre o clima ou o transito na carona pra escola. Depois algumas perguntas bobas que podiam ser respondidas com monossílabos. E, por fim, um "bom dia" respondido com um rápido "bom", claro, totalmente desprovido de emoção ou troca de olhares. O misto de nojo, repúdio, decepção, ódio, percorreu o estômago de Diva durante dias. Depois meses. Depois anos. Até o dia que Diva resolveu cursar uma faculdade totalmente oposta aos planos do pai, o que virou do avesso certas feridas que tinham um com o outro.
Parecia que os anos de silêncio acumulados iam ser revirados agora. Mas, para o azar de Diva e a boa impressão da família, o pai dela resolveu cobrir tudo em panos quentes e não bater muito de frente com a decisão dela, já que não era tão necessário assim. Era o futuro dela, o que tem demais?
E a situação voltou a se repetir. O primeiro congresso universitário, a balada de 18 anos, o namorado novo, as paredes pretas do quarto, os vestidos mais curtos, o cabelo quase raspado, o piercing, a tatuagem; tudo coberto com nossos
velhos amigos panos quentes, empurrados pra debaixo da cama com uma vassoura de pelos, já que não era tão necessário assim dar atenção pra essas coisas bobas.
E assim,empurrando a vida com a barriga, o problema, obviamente, se tornou uma bola de neve. Não se sabe exatamente quando ou como isso vai acabar; se Diva será feliz ou não, se dará tudo certo ou, basicamente, Diva vai chegar à idade de sair de casa fugindo, mais uma vez,do probleminha aqui apresentado.
Quando essa história acabar, eu aviso, só pra tranquilidade dos meus queridos leitores.
Afinal, estamos todos torcendo por um final feliz, não é?
Eu, sinceramente, não estou. Mas não deixe meu excesso de pessimismo influenciar suas expectativas.