segunda-feira, 16 de junho de 2008

Morfeu.

-Não agora, nem aqui! Céus, tá tudo tão bem na minha vida! Por que eu ainda tenho essa idéia absurda? Não há humano que não sofra, não existe esse negócio de plenitude! Eu não sou pleno!

Ele ia de um canto a outro da casa, procurando...ele sabia o que. Não respirava; ofegava, gritava cada palavra. Janis berrava “Cry Baby” no som da sala, repeat automático on, ele estava no repeat. Complexos pensamentos e problemas que pareciam não ter solução lhe comprimiam contra a janela do seu quarto no quinto andar. Morreria na queda, ou atropelado quando caísse na via perpendicular à BR. Talvez seu corpo fosse arrastado até lá por um caminhão de carga saindo da fábrica dos arredores.Não sabia, as possibilidades eram tantas!

Foi escrever.

Três da manhã no meu apartamento claustrofóbico. Encontro-me isolado; minhas únicas compainhas são Janis, meu copo cheio com o White Horse que ganhei no Natal de Adriana, a chuva...

Adriana, meu estereótipo de mulher perfeita.

Eu, um vagabundo sentimental obcecado e maníaco depressivo.

Eu falando do que entendo melhor: eu mesmo.

Eu ainda procuro um suspiro que dê um murro nos meus pulmões e os estimule a continuar mandando oxigênio pro meu cérebro.

Preciso de sexo e de um cigarro. Faz tempo que meu pau não fica duro e fumo desde que me entendo por gente; mas a necessidade desse último não é de nicotina.

Tomara que Deus não leia isso. Mas ele já tá lendo meus pensamentos enquanto escrevo.

Fudeu!”

Ele parou apavorado, esquadrinhou a casa toda a procura de um lugar onde pudesse escrever sem pensar e se esconder de Deus. Não havia a possibilidade. Deus, se existisse, saberia o que se passava em sua mente perturbada. “Não, eu não vou deixar”, escreveu.

Sentou-se na sala, onde Janis berrava mais alto. Escreveria narrando e Janis abafaria seus pensamentos. Deus não o ouviria em meio ao “Cry, cry, cry...” que ela insistia em gritar.

“Meu peito tá doendo. Eu preciso pôr pra fora uma dor que desconheço!

É desgosto!

Só pode ser efeito da minha vida mal vivida, dos meus dias isolados e das poucas vezes que respirei consciente que vivia.

Viver...tá aí uma coisa que à muito não sei o que significa.

As aranhas que tecem teias ao redor de um coração quase parado começam a reproduzir-se. Parece que meu peito é um ótimo canto úmido e cheio de moscas para alimentá-las; quem sou eu para tirar todas com uma vassoura?

Moscas e aranhas conseguem viver em simbiose em mim, porque eu não alcanço tal simbiose comigo mesmo?

Não enxergo luz no meu apartamento iluminado pela reforma que Adriana fez aqui. As cortinas brancas e os sofás creme denunciam a presença dela aqui, me sufocam, agridem meus olhos.

Ceguem, infelizes! Ceguem meus olhos para que a luz dela não me incomode mais!

Não, não sou nem fui corno!

Tampouco ela me deixou!

Eu que sou um desprovido de qualquer tipo de consideração por mim mesmo e não me permito qualquer tipo de fraqueza!

Eu, totalmente entregue aos meus obscuros pensamentos, contagio e espanto qualquer tipo de alma que se aproxime daquilo que um dia foi a minha!

Definitivamente não estou pronto para tentar me entender. E sei que, se eu sair daqui, vou me matar...”

Ele escreveu até as oito da manhã, quando, não aguentando mais o cansaço e aproveitando as últimas forças que sua mão direita ainda possuia, enfiou o cano da calibre 38 na boca e puxou o gatilho.

Logo agora que minha imaginação começou a despertar!