domingo, 31 de outubro de 2010

Homens

Ah, os homens!
Tão másculos, virís, sedutores; poucos são cientes de seu encanto e de sua graça. E quando falo "graça" não me refiro meramente à bom humor e fazer rir: homens também tem leveza e harmonia de movimentos, olhares, bocas e caras inteiras que podem, por si só, furar os quatro pneus de uma mulher. Só lhes faltam a ciência disso, o domínio disso. E esses, (in)felizmente são dotes femininos. Mas voltemos ao maravilhoso mundo masculino, com seus braços e ombros largos e pescoço cheirando a Malbec.
Um homem pra ser bonito (ou pelo menos charmoso) tem que agradar pelo menos três dos cinco sentidos femininos. E o primeiro deles (surpreenda-se!) é o olfato. Não há mulher no mundo que não procure com os olhos o que o nariz já achou faz tempo. Seja lá qual for o perfume, desde que não agrida as narinas, a pergunta "de onde vem?" inevitavelmente vai surgir. E como é bom beijar um homem cheiroso. Amar um homem cheiroso. Fazer amor até a exaustão com um homem cheiroso. E ai sentir o perfume dar lugar ao cheiro natural, e encantar-se com tal aroma. E querer pra si tal aroma. A melhor (ou pior) lembrança de uma boa noite de sexo é o cheiro dele na roupa, no lençol, no carro. E lá ficamos nós, na nossa torcida pela ligação do dia seguinte.
O segundo sentido são os olhos. E não é beleza o que procuram os olhos femininos: é o charme; o vestir; é o primeiro botão aberto da camisa insinuando um convidativo peito dotado de pelos ou não (e cheiroso!); é a mão na nuca nos momentos descontraídos; é o olhar; os movimentos da boca; a barba (sim, a barba! mas sobre isso eu falo daqui a pouco); é a calça jeans insinuando coxas e bunda; é o sorriso, as sobrancelhas num semblante que não pára de se mexer; os ombros largos em harmonia com os braços no andar. Alguma dessas coisas que citei com certeza você, homem, tem e já conquistou alguém por causa disso. Quanto à nós, mulheres, nos resta a admiração e os suspiros.
Por último, e não menos importante, está a pele. Não a pele sedosa, bem cuidada (claro, isso num homem é muito atraente). Mas é na aspereza dos pelos, dos calos, da barba, é na grossura da pele de um homem que escorrega a pele ardente de uma mulher. É o toque inesperado no lugar certo durante a conversa de barzinho; é o roçar da barba no cheiro no pescoço; é o rosto que se afoga em beijos nos nossos seios; são as mãos inquietas na hora do sexo; é a segurada firme da mão; é a pele que cheira, o cheiro na pele.
Os outros sentidos não ficam de fora nesse balé de deleites; uma bela voz, um bom papo derrubam rainhas de Sabá e iabas de Jorge Amado. E o gosto também! Sim, homens têm sabor! E é atrás dele que vamos depois da festa dos outros quatro sentidos.
Os gays tem razão: vocês são tão lindos que atrair outro homem não é lá muito difícil. Ter consciência disso pode até ser uma arma na mão de meninos (não homens!) em busca dos prazeres da carne. Mas nas mãos grossas e peludas de um homem, que vise viver um bom romance, é a chave para se encontrar uma boa mulher. Boas mulheres reconhecem, mesmo que não saibam, homens dotados de tudo isso. E é pra esses que nós damos o céu.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Precaução é algo que...

... nunca tive na vida. Sempre gostei de arriscar, apesar de detestar instabilidades e imprevisibilidades. Meu espírito aventureiro está em constante choque com minha alma imutável. Mas isso não significa, de forma alguma, que eu tenho uma alma imóvel. Ela é inquieta, sabida, inteligente, esperta, uma menina de 8 anos solta num quintal arborizado. Acho que foi por isso que sempre me fodi muito nos meus (projetos) de relacionamento.
Entregar todos os pontos quando ainda tou na fase da paixonite é quase uma rotina na minha vida sentimental. Me doar, adorar, tratar (muito) bem... pra mim é tão comum e natural quanto cagar e comer.
E não é porquê eu sou fácil, ou leviana; paixão é meu pão de cada dia, não faço nada sem ela, de escrever ao sexo, do acordar ao dormir. Se faço, digo, beijo, escrevo, estudo, trabalho, crio filhos e canto é porquê sinto paixão.
Freios? Só os da minha bicicleta. E se eu me ferrar, nasci dotada da paciência de um monge pra recolher os caquinhos do meu coração e remontá-lo.
E é enquanto o remonto que aviso que brevemente ele vai se espatifar de novo.
E né que ele gosta disso?
Eu também.
Mas o amor, não. O amor é outra coisa...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Estou bem, meu bem.

Eu achei que quando você fosse embora, faria-se noite em meu viver. Mas veja só o quanto estou bem! É até irônico que eu, aquela garotinha pequena, indefesa, que secava chorando quando brigávamos, que reprovava na faculdade, que perdia festas, reuniões de amigos e cinema com a mãe, esteja tão bem.
E o mais impressionante: VIVA!
Estou bem, meu bem, de verdade.
Fui pra boate, dancei muito, conheci pessoas e cheguei em casa de manhã com os pés inchados.
Fui pro barzinho, SOZINHA, no meio de um monte de homem, coisa que eu adoro. E sabe o melhor? Não cacei nem peguei nenhum (só pra contrariar AQUELA sua norma que você conhece bem).
Fui pra cinema, SOZINHA.
Fui pra cafeteria com minhas amigas de falar putaria, fumar e tomar cafés exóticos.
Fui pro posto, conheci uma tal de Heineken e estamos de casamento marcado.
Fui pra praia, peguei um bronze, tou até menos pálida.
E que o vermelho do meu cabelo tá teimando em voltar?
Tomei todas na casa de uma amiga, vomitei, e comecei a beber de novo. Não por depressão, mas porquê eu quis mesmo.
Voltei pro meu Hollywood Caribe e seu delicioso cheiro de menta nos meus dedos.
Desentoquei meus esmaltes azuis.
Meu violão não tem mais poeira.
Meus alunos vão se apresentar num Festival de Leitura e Escrita, e eu estou indo muito bem no trabalho.
Meu quarto tem luz por toda parte, e estou me preparando para pintá-lo mês que vem.
Meus amigos me abraçam sem medo, e todos os meus apelidos estão voltando aos poucos.
Tenho um amigo (amigo mesmo, sabe? Foda-se AQUELA sua regra) com o mesmo nome que você, a diferença é que ele me ama do jeito que eu sou.
Eu estou tão bem que é até injusto te escrever aqui hoje.
Mas é tanto tempo lendo seus lamentos, seus choros, sua angústia, que senti vontade de te mandar notícias, sabe? Um alô, pra onde quer que seja esse inferno que você construiu pra si próprio.

Saudade existe, eu confesso. E não sei por quanto tempo ela vai teimar em latejar. Mas não é maior que a saudade que eu tava de mim mesma.
Mesmo com os pesares, obrigada. Descobri o quanto não consigo viver sem mim.
E não chore mais, não lamente, não se desespere.

Eu estou bem.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Meus últimos pedaços.

Às vezes só é preciso aparecer alguém na sua frente com uma boa idéia e um sorriso simpático pra você perceber o quanto pode fazer por si mesmo.
Eu precisei ir ao fundo do poço pra entender que minha natureza me chamaria independente de onde eu estivesse.
Eu precisei pensar em fazer um jardim em baixo da escada pra perceber o quão amarga estava minha vida.
Eu precisei sorrir quando o que mais queria era chorar.
Eu precisei me pintar de forte.
Eu precisei me tornar Jocasta.
Eu precisei interferir na minha via crucis pessoal e segurar a mão do soldado romano pra não me levar meu último suspiro.
Eu tornei meus dias e minhas noites os mais insones e impróprios pra entender que tudo que eu precisava era eu mesma.
Era estar comigo mesma.
Vendo uma série, lendo um bom livro, ouvindo Björk enquanto via o pôr do sol.
Tomar um café no meu quintal enquanto meu cachorro comia nos meus pés.
Me maquiar com mais calma até decorar (de novo) os detalhes do meu rosto... e perceber o quanto ele estava mudado.
E esses são os frutos que eu colho.
A consciência que aprendi, e que fiz tudo que eu podia e principalmente o que não podia por um bem que não era meu.
Que sequer eu tinha obrigação de proporcionar.
Porquê quando nascemos somos completos.
Não precisamos de ninguém para nos completar; somos completos.
Autônomos para respirar e comer.
Essas funções básicas e primárias indicam o quão auto suficiente o ser humano é para certas coisas.
O qual completo ele deve se sentir desde o momento que se identifica como gente.
O quão completo ele deve se sentir para amar alguém ao ponto de somá-la.
O quão completo é ser humano e... completo.
E eu senti muita falta de me sentir assim.
De tocar no meu rosto e perceber que ele era meu.
De amar meu nariz só pelo fato de eu ser dona dele.
Mesmo que isso tudo custe pedaços e mais pedaços de meu ser.
Eu sabia que me devolver a mim mesma não me sairia muito barato.
Principalmente depois de ter me tirado de mim de maneira brutal e desumana.
De ter me negado e deixado de viver meu direito básico:
Comer e respirar.
Não nego que muitas vezes penso em desistir de tudo e voltar atrás em momentos.
Em palavras.
Em decisões.
Mas isso seria negar a mim mesma, e isso eu não me permito.
Já fiz uma vez, não gosto de repetir erros.
Principalmente os mais brutais.
Mesmo sabendo que se eu o fizesse, seria por amor.
Mas não por amor a mim, e isso seria me negar de novo.
E voltar ao meu erro.
E isso eu não faço.

Esses são meus últimos pedaços.
Até que eu decida não chorar mais.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Pedaços (2)


Gravetos quebrados e pedras quebradas
Vão virar pó assim como nossos ossos
É palavras que ferem mais agora, não é ?
Você está triste por dentro, você está em casa sozinho
Se eu pudesse pegar o telefone
Talvez você possa ver um dia melhor
E você não se manteria afastado
Sob meu olhar atento
Porque eu sou o seu herói e você é minha fraqueza

Mas quem vai empedir minha queda?
Quando inicia o giro
As cores sangram juntas e desaparecem
Alguma vez você esteve alinhado em tudo
Ou eu perdi meu caminho ?
O caminho de menor resistência
Está me arrastando novamente hoje

Eu estou quebrada, mas isso não é bom o bastante
As promessas não cumpridas estão novamente em questão
O dobro do seu peso em lágrimas eu causei
Eu tenho medo de afundar, eu tenho medo de nadar
Estou triste em dizer que eu sinto falta dos meus amigos
Eu sei que eu deveria parar de me afastar

Mas eles precisam de mim para ficar e manter um olhar atento
Em todos os meus heróis e todos os seus demônios

Mas quem vai empedir minha queda?
Quando inicia o giro
As cores sangram juntas e desaparecem
Alguma vez você já esteve alinhado em tudo?
Ou eu perdi meu caminho ?
O caminho de menor resistência
Está me arrastando novamente hoje
Não hoje
Não hoje

Gravetos quebrados e pedras quebradas
Vão virar pó assim como nossos ossos
Eu estou quebrada
E isso não é bom o bastante
As promessas não cumpridas estão novamente em questão hoje...

Brandi Carlile.





Pedaços.



Palavras como violência
Quebram o silêncio
Vem destruindo
O meu mundinho
Doloroso para mim
Perfura através de mim
Você não consegue entender
Oh, minha garotinha

Tudo o que eu sempre quis
Tudo o que eu sempre precisei
Está aqui em meus braços
Palavras são bem
Desnecessárias
Elas podem só machucar

Promessas são feitas
Para serem quebradas
Emoções são intensas
Palavras são insignificantes
Os prazeres ficam
E a dor também
Palavras são sem sentido
E são esquecíveis

Tudo o que eu sempre quis
Tudo o que eu sempre precisei
Está aqui em meus braços
Palavras são bem
Desnecessárias
Elas podem só machucar

Aprecie o silêncio...

Depeche.



domingo, 23 de maio de 2010

"Enjoy the silence..."

M.H te enxerá as entranhas com reflexões. Se não estiver a fim, favor ir ao próximo post. Obrigada.

Já falei que detesto o silêncio?
"Mas Helena! É algo tão raro no mundo barulhento de hoje em dia!"
E daí, caramba?
Silêncio pra mim sempre foi sinônimo de morbidez, de falta de vida, de vontade, de interesse.
Quem cala não consente... desiste.
O silêncio não traz a paz... traz o medo.
A alegria do riso acaba com o... silêncio.
A vida de uma casa se vai com o ... silêncio
Duas pessoas em silêncio são dois seres que abdicam do seu direito de expressão.
Uma pessoa calada é uma pessoa sem companhia (o que nem sempre é ruim, mas a maior parte das vezes é).
Uma pessoa silencia diante de outra... se não é porquê está ouvindo, é desprezo.
Eu não sei apreciar o silêncio. E deve ser por isso que minha casa está sempre com o som alto, com o cachorro latindo, com minha filha vendo TV. Ou comigo mesma fazendo algum ruído na cozinha (deve ser por isso que amo pipoca; adoro comida barulhenta). Silêncio pra mim nunca foi boa coisa: sempre significou coisa alguma, e com "coisa alguma" eu não sei conviver.
Eu até tentei. Minha mãe, em uma de suas raras visitas ao meu apartamento, me avisou do barulho de carros constante na minha janela, da minha obsessão pelo barulho, da minha falta de paciência com o banheiro silencioso. Até quando eu ia a um lugar verde eu providenciava fones de ouvido!
E eu, poluída do jeito que sempre fui, nem ligava.
E não ligo mesmo.

sábado, 22 de maio de 2010

Do sanatório ao sanitário.

Quando ela era menor, tipo doze anos, sua mãe lhe achava louca. Louca mesmo, de internar, sedar, dar choque. Tudo porquê ela gostava de toca-discos, café, e Janis Joplin... aos doze anos!
Foi aos doze também que ela descobriu que tinha gastrite nervosa; uma inflamação bem chatinha no estômago que atacava quando seus nervos se alteravam. As crises resultavam em muita dor na barriga e vômito. Muito vômito. Lembro de uma vez que ela vomitou tanto que, quando começou a sangrar, ela se assustou e engoliu o choro pra não precisar repor o sangue que perdeu. Ela era O negativo, sangue raro pra porra, demoraria horas pra achar bolsas de sangue compatível e ela morreria na sala de espera. Morrer pra ela também não era uma idéia tão assustadora, mas o problema era que ela só tinha... doze anos!
Dia desses, de sol ou de chuva, sei lá, não importa, ela estava feliz com seu novo par de all stars chupando um picolé. Ela tinha um amigo, Dito, que era um pastel. Dito dizia coisas babacas, como “Você foi pra escola?” enquanto a via voltar pra casa ao meio dia vestida com o uniforme. Ou ainda “Você cortou o cabelo?” quando ela aparecia com a cabeça praticamente raspada (outro motivo que eu acho que sua mãe lhe considerava louca: ela cortava o cabelo bem curto, pra não precisar pentear tanto).
Nesse tal dia, ela tava chupando a porcaria do picolé, e o que Dito lhe perguntou?
“Você tá chupando picolé?”
“Não, Dito... Tou chupando...”
Ela falou uma pornofonia.
Dito abriu a boca pra mãe dela, que abriu a boca pro pai dela, que abriu a boca dela e lavou com sabão. Acho que eles achavam que a loucura dela iria embora junto com a espuma. Foi uma espécie de terapia forçada, sabe? Tipo quando os loucos levam choque pra se curarem da insanidade.
Ela se sentiu num sanatório mesmo, com sua mãe lhe segurando os braços, seu irmão forçando sua cabeça contra a pia, seu pai lavando sua boca com uma bucha amarela e sabonete líquido de erva doce. “Pra você aprender a dizer palavras limpas!” Ele repetia.
A gastrite atacou, ela vomitou horrores na privada, sua mãe achava que era por causa do sabão (só uma tia dela sabia de seu desconforto estomacal); ela chorou, ouviu “Maybe”, da Joplin, o resto da tarde, enfiada no quarto. E nunca mais falou o que falou pro Dito no dia que tava chupando aquela porcaria de picolé.
Apesar de se lembrar toda vez que sai de casa num dia quente e compra um.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Susan não sabia morrer

Era patética a forma como Susan falava em suicídio.
"Eu sou um lixo! Eu quero a morte! Prefiro ela à ter que viver nesse corpo!"
Talvez ela fosse tudo isso, e eu só me sentava com uma caneca de qualquer coisa quente (na maioria das vezes, café, meu companheiro eterno e inseparável) na primeira poltrona que visse pela frente, onde pudesse vislumbrar o espetáculo que era Susan arrancar tufos de cabelo e rasgar a camisola.
No fim de tudo, ela me olhava com os olhos inchados de chorar, a boca seca e meio torta de tanto gritar, a voz rouca e os cabelos desgrenhados, e perguntava;
-Por quê tá olhando pra mim?
Eu estava vendo uma macaca em trabalho de parto falando. Mas ao invés de dizer isso, eu respondia secamente com um "nada, uai" e continuava bebendo meu café, louca de curiosidade pra ver o chipamzézinho que ia sair dali.
-Posso ir lá fora acender meu cigarro? - Eu perguntava só pra provocá-la e vê-la recomeçar seu show pirotécnico de macaca-que-vai-parir.
O que, de fato, acontecia.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Os Cristos de Ana Paula

Ana Paula era uma dessas amigas que a gente deixa para os dias em que todas as boas amigas nos abandonam e não sobra mais ninguém. Ela era melhor do que nada. O problema é que Ana Paula via coisas. Jesus Cristo, por exemplo.
Meu truque era manter a conversa animada para ela não sair devaneando, olhar para o horizonte e ver. Quando ela via, seu maxilar ficava frouxo e o olhar vidrado. Era um saco. Meu medo era olhar na mesma direção e ver. Eu não queria ver nada. Seus olhos azuis se enchiam de lágrimas e ela falava:
"Oh! Ele está tão lindo hoje!"
Nunca perguntei, mas tenho a impressão que cada dia Ele aparecia com uma cara diferente.
Nunca mandei Ana Paula plantar batatas. Devia. Vira e mexe ela ia para a enfermaria, depois era dispensada. Até que um dia ela mudou de escola. No meio da semana, no meio do ano, sem explicação. Depois que Ana Paula se foi, toda vez que eu passava pela árvore onde Cristos apareciam para ela, eu corria feito louca.
Temia que Eles aparecessem para mim também. Tínhamos o cabelo meio parecido.

Índigo.
Cobras em compota.
Brasília; 2006.
http://diariodaodalisca.zip.net/

quarta-feira, 31 de março de 2010

Crise

Eram 4:30h da manhã quando a Pequena finalmente parou de chorar e dormiu. O estrago era grande: roupas espalhadas pelo chão, maquiagem borrada, olhos inchados e vômito, muito vômito. Ela era assim: gastrite nervosa desde os 15 anos de idade, quando teve a primeira depressão, e uma vontade incontrolável de vomitar quando o estômago apertava, e assim o fazia. Prontamente cobri seu corpo nu com um lençol fino por causa do calor, levantei do chão ao lado da cama onde eu estava sentada e fui limpar o corredor, antes que alguém visse aquela merda toda ao acordar pra trabalhar. A Pequena ressonava, repetindo um nome que eu sei bem qual é, e chorava até em sonhos; eu nunca me imaginei em tal situação, embaraçosa por sinal. Quando terminei tudo me deitei num colchãozinho no chão ao lado da cama, pronta pra segurá-la caso se debatesse durante o sono. Mas minha felicidade não durou muito: às 6:05h da manhã ela me fitava com grandes olhos castanhos inchados, meio atordoada de dor de cabeça, curiosa ao me ver ali.
-Há quanto tempo estou dormindo? - Ela me perguntou
-Pouco mais de uma hora e meia.
-Eu fiz muitos estragos?
-Só com você mesma, eu acredito.
A Pequena olhou pro teto, começou a chorar de novo, daquele jeito que eu sinto pena. Sim, pena. Ela me pediu pra não ser hipócrita, e assim estou fazendo. Ela levantou-se, tomou um banho e sentou-se na cama. Eu sabia o que ela estava fazendo: estava esperando. Esperando se regenerar, com calma, cuidando sozinha de suas feridas, mesmo eu estando ali, disposta a segurá-la quando precisasse (apesar disso nunca ter sido minha política).

E foi nesse momento que a Pequena conquistou meu respeito.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Em cólicas

-Hell, o que porra é uma cólica?

Hell: Ângelo me chamava assim desde a oitava série. Eu estava tão contorcida de dor no sofá que aquilo soou como uma zoação com a minha cara; prontamente sentei para respondê-lo. Acendi um cigarro antes, lógico. Dei uns tragos, soltei a fumaça na direção da janela e comecei meu triste relato.

-Ouça bem, não vou falar duas vezes.

Cólica é uma dor como se algo grande, espinhoso e dançarino fosse sair de você, e você não sabe exatamente se vai ser por trás ou pela frente.
É quando você sente seu útero saltar de lugar, e a cada movimento o sangue jorra tão violento quanto as Cataratas do Iguaçu.
É sentir uma onda elétrica percorrer sua espinha e arrepiar os pêlos dos braços e das pernas.
É uma martelada naqueles ossinhos do joelho que faz as pernas tremerem.
É sentir que você está se afogando no próprio sangue, sufocada pela via respiratória errada.
É deitar, sentar, se abaixar, andar, apoiar as pernas no alto, e até ficar de cabeça pra baixo procurando uma posição confortável pro conjunto costas/pernas/bacia.
Por falar em bacia, você a sente quebrar ao menor toque.
É perder o dia estendida no sofá ou na cama em desespero.
É chorar.
É embolar feito empanado na cama em busca de uma posição confortável.
É tomar trocentos Buscopans e passar horas demente numa compressa morna.
É o remédio fazer efeito, você finalmente sentir alívio e dormir que nem um bebê.

-Isso é uma cólica. Você entende pelo que estou passando?

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Eterna


Queridíssima Rê Bordosa.

Angeli.

Sobre a ironia do tempo [3]

Anatômica.

Se o clima não estivesse tão quente, nem o quarto tão pequeno, nem o amor tão longe, nem as garrafas tão vazias, nem as carteiras de cigarro tão amassadas, nem a mãe tão perto, nem o trabalho tão tedioso, talvez Ana não quisesse explodir. Aquele forró horrível tocando ao longe, uma porcaria qualquer que ela chamava de fuleiragem music, dava-lhe vontade de ir até a janela e gritar pra qualquer filho da puta que passasse na calçada que desligasse aquela merda depreciadora do corpo feminino. Mas e Ana? E esse misto de coisas que se passavam na sua cabeça? E o tédio? A completa falta de emoção e cuidado consigo própria? E a vontade de sair na rua de camiseta e calça jeans só pra ver se ainda era desejável mesmo gorda, cheia de espinhas e celulite (era assim que se via no espelho, mas com certeza era exagero de sua mente deturpada)?
Tudo isso ia embora, ela só queria chorar. Talvez nem soubesse o motivo e isso a deixava ainda mais desesperada. Ana saiu, foi ao cine ver um curta, “O velho, o mar e o lago”. Ana chorou. Puta merda, Ana! Você também chora com cada besteira! E Ana nem ai. Queria ir pra casa, se arrependeu de sair e procurar estar no meio de tanta gente.
Voltou, enfiou-se no quarto, tão fundo que quando sua mãe entrou para chamar-lhe pro jantar sequer a viu encolhida num canto com o mp4 explodindo nos ouvidos. Pegou o telefone, ligou pra aquela melhor amiga que tava sumida, mas sempre atendeu seus chamados desesperados. Mais choro, reclamações, era um tal de “eu quero gritar” que ela não aguentava mais. E gritou.
Ana saiu do quarto um bagaço, com a maquiagem borrada, descalça, com o jeans desatacado e arrastou-se pro banheiro. Vomitou na privada, tomou um banho demorado, botou uma roupa limpa e dormiu.
No meio da noite, sangue. Muito sangue no short e na cama. Ana menstruou.
No banho Ana começou a rir quando lembrou que não queria explodir. Na verdade, era TPM.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Sobre a ironia do tempo [2]

Analítica.

Ana era uma pedra. Um cubo de gelo. Não, uma pedra mesmo, gelo derrete; Ana não derreteria nem no inferno. E Léo sabia disso. Tanto que quando Ana bateu no seu carro naquela manhã ensolarada de sábado ele nem dialogou muito quando ela foi descendo do carro assinando o talão de cheques, e perguntando quanto ele queria pelo dano causado. O cachorro dela, um dálmata, desceu do carro no seu encalço. Porém os cabelos vermelho-berrante dela não o deixavam olhar pra outra coisa que não fosse aquela silhueta quase atlética envolvida numa canga de praia azul.
-Mas você não vai nem discutir? Perguntar se eu estou louco ou cego?
-Tenho cara de quem tem tempo pra isso?
E ela foi embora. Cantando pneus e tudo. Os danos nem tinham sido tão grandes, mas só o fato de uma desconhecida ter batido no seu carro e sequer ter discutido lhe deixou intrigado. E foi pra casa pensando nela, em como encontrá-la, no que falar pra ela.
Ironicamente, Ana sequer lembrava da cara do infeliz do semáforo da rua 15. E se passaram quatro anos nessa ironia quando, ironicamente, Léo, distraído pensando na desconhecida, bateu na traseira de um Fox preto, com um macaquinho pendurado no pára-brisa. Dele, saiu uma mulher. E qual não foi sua surpresa quando reconheceu aqueles cabelos vermelho-berrante da pedra que havia batido em sua traseira quatro anos antes. A diferença é que essa falava. E falava muito.
-Você tá louco, seu filho da puta?! Não viu o semáforo vermelho?!
Ele estava atordoado. Não sabia se realmente era ela, sequer lembrava se o carro de quatro anos atrás era o mesmo. Só lembrava da cena, e do cachorro. Não precisou pensar muito pra lembrar que era um dálmata. E também não demorou muito pra um dálmata botar a cabeça do lado de fora da janela traseira, seguindo a dona com o nariz, como quem quisesse saber pra onde raios ela ia. Era ela, definitivamente. E Léo não esperaria quatro anos novamente.
-Quero ressarcimento, você entendeu? Meu carro não tem nem um mês e aparece um palhaço...
Ele a beijou. E todos os seus anseios foram embora.
Quatro anos se passaram. E eu acabei de receber o convite pro casamento dos dois.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Sobre a ironia do tempo.

Anacrônica.

Fora do tempo, fora de casa, Ana, que nunca havia fumado, bebido ou trepado, se vestia em um quarto estranho, numa cama estranha, onde um estranho dormia. Eram 7h da manhã de um sábado chuvoso. É... havia muito o que fazer. Meio atordoada, cambaleante com o peso do próprio corpo, fraca de tanta vodca, arrastou-se até o chuveiro, onde a água quente molhou-lhe os cabelos, a pele e as tatuagens. Vestiu-se, foi embora dali, pra onde não pretendia voltar, apesar de não saber onde exatamente era ali. No ônibus, muitas vozes, muitos olhares, alguns não tão amigáveis, outros indiferentes. Chuva. Escorre pelo vidro, deforma ruas, carros, postes e rostos. Ana, deformada, suja, e feliz.
Em casa, Ana toma seu café, acende seu primeiro cigarro. O primeiro depois do primeiro, que gesto mais estranho! Não liga. Liga. A TV. Alguém fala de enxurradas, desmoronamentos, comercial de café. Ela desliga, pega um livro, lê algo e dorme. No sofá mesmo, pra quê levantar?
Dias. Meses. Anos. Exames de rotina. Urina, fezes, prevenção, mamografia, ultra-som e sangue. A vaca da enfermeira era indelicada com a agulha, machucou. Não doeu, só machucou. E daí? Ana nem queria fazer aqueles exames mesmo, foi só pra tapar a boca da mãe. 4 dias pro resultado, posso voltar ao meu apartamento, doutor?
4 dias, dia 4. Ana foi buscá-los. Os exames? Não, antes tem os pães na padaria, e o café fresquinho da esquina. Ai vêm a vez dos exames. Tranquilidade. O médico abre, Ana mastiga um chiclete. A cara dele... nossa, as notícias não são boas. Anemia? Falta de vitaminas? Infecção urinária? Intestinal? Gastrite? Labirintite? Anorexia?
Não, Ana. Você tem HIV.
Logo Ana, que nunca havia fumado, nem bebido. Nem trepado.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A prostituta

18h, saída da BR 232 com a Caxangá. Ela me olha do muro onde está encostada. Fuma um cigarro barato e prende o isqueiro na calcinha por baixo da micro saia. O beco está quase deserto, com excessão dos carros que passam na BR perpendicular. Carrega na bolsa preservativos, anti concepcional, celular, um bloquinho, caneta, suas alegrias, tristezas, lágrimas e decepções. Será mais uma poetisa marginal? Uma relatadora de causos? Já consigo imaginar um título para seu próximo livro: “Memórias do Hotel Paraíso volume III”. Na bolsa e nos olhos, na bolsa dos olhos. Meu carro parou no semáforo e desde então ela me encara. Com olhos desafiadores, provocadores, tristemente insinuantes. Eu não sei se fecho o vidro, se continuo naquele momento tão íntimo entre dois estranhos, se pego o acostamento e fujo do trânsito e dos olhos devoradores da concubina da esquina do beco ao lado, se abro a porta do carro e a levo para um motel para me fazer feliz, ou se a levo para minha casa para fazê-la feliz. O semáforo abre, lentamente os carros se movem, ela acompanha o meu até certo ponto, quando pára e acena um adeus. Eu paro o carro, a luz da ré acende, consigo ver seus olhos surpresos e, mesmo louca de curiosidade pra ver meu rosto e saber minhas intenções, permanece parada em cima dos tijolos quebrados da calçada. É quando desisto. Ela não viveria sem essa vida. Eu não viveria sem ela. Melhor deixá-la enquanto minha obsessão não a sufoque.