quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A noite.

0:18 num apartamento iluminado pela luz da lua cheia, que atravessava as janelas e as persianas teimosamente. Lucas, deitado no sofá em compainha de um cigarro, vestido só de samba canção, ouvia The Smashing Pumpkins pra lembrar devagar e constantemente de tudo o que tinha se passado até alguns momentos atrás, antes de Nadine atravessar a porta pra nunca mais voltar; o vôo dela ia partir às 06:30 da manhã com um único destino: sair da vida dele.
Billy Corgan sussurrava a letra de “Thirty-Three” ao meio som, à meia luz, e Lucas não queria que a Terra girasse essa noite, nem que o dia amanhecesse. Nadine ia embora, por culpa dele. Única e exclusivamente dele. Porque ele tinha medo de se apaixonar, porque ele não queria responsabilidade, porque ele nunca tinha deixado ninguém penetrar tão fundo em sua alma, em suas entranhas, como ela tinha feito; mulher alguma tinha lhe esbofeteado a cara lhe chamando de covarde, miserável, infantil, insensível...E ele nunca se sentiu tão convencido de que era tudo verdade.
Por que ele deixava ela fazer isso? Por que aquilo tudo não teve um final feliz? Por que ele não experimentou admitir que ela era a mulher de sua vida? Não só de sua vida; mas também de sua morte, do seu mundo, de todo ele.
21:30 Nadine bateu em sua porta. Não tiveram tempo de mencionar uma só palavra. Beijaram-se sofregamente, afogaram-se em um choro único, passaram horas trocando carinho no sofá, fizeram amor quantas vezes lhe saciassem a vontade; tudo sem mencionar uma palavra. Haviam se tornado um só sem que percebessem. Mas Lucas, com medo, insegurança e até um pouco de egoísmo, não se deixou ser dela por completo. Ainda faltava parte dele nela; e com migalhas, ela não se conformava.
-Vim aqui por que vou embora pra sempre. - Nadine falou com a cabeça encostada em seu peito, vestida com a camiseta dele. Nunca estivera tão linda.
Foi um choque. Haviam passado outras noites juntos, tudo era tão perfeito. Depois ela ia embora (ou ele ia), dormiam em casas separadas, se encontravam no outro fim de semana e o ciclo se reiniciava.
Mas por que ele se recusava a ser dela? Por que, se tudo era tão perfeito e mágico? Qual o problema? Tantas pessoas viviam juntas, dormiam e acordavam juntas, dividiam os problemas, as toalhas e as alegrias; por que ele não se via fazendo isso com ela? Logo com ela! Por que ele não enfrentava esse medo absurdo de ser de alguém; ainda mais de uma mulher como Nadine, que lhe ensinou a acreditar em amor, quando nem ela mesma achava que isso existia?
Por que?
Chorava. Como a criança que ela sempre dizia que ele era, por ter que amargurar o resto de sua vida por ter conhecido alguém que o completasse e deixa-la ir assim; e por ser um imbecil em não ter coragem de impedir. Queria morrer aquela noite. Que cada cigarro que fumasse anulasse um ano de sua existência, que cada gole de uísque lhe levasse um pedaço de si; e que o doce hálito dela lhe trouxesse de volta desse pesadelo e que a realidade fosse diferente, com ela do seu lado, com o apartamento iluminado e alegre tocando um punk rock daqueles que só eles sabiam curtir e que ela estivesse linda, circulando com sua camiseta do Doors e aquela cuequinha branca de algodão que ele adorava. Chamando ele de “meu palhaço”, prendendo os cabelos com as canetas que ele jogava na escrivaninha, exalando seu perfume em cada cômodo, em cada objeto, inclusive nele mesmo. Chamá-la de “minha mulher” e poder ser o homem dela.
Ainda podia fazer isso.
Ainda podia enfrentar o medo que tinha de ser feliz e impedir a ruína do seu resto de vida.
Levantou-se e correu pro banheiro, onde lavou o rosto e vestiu uma calça e uma camiseta qualquer que estavam jogados no chão. Apanhou as chaves do carro e do apartamento frenético e trêmulo, os cabelos desgrenhados, presos de qualquer jeito caindo nos ombros, a barba por fazer, mas não se importava; ela gostava dele assim.
Ele tinha que chegar no aeroporto antes do avião levantar vôo.
6:20 quando finalmente estacionou o carro. Saiu correndo, sem perceber o risco de tropeçar nos cadarços dos all-stars. Estava no portão de embarque quando olhou pro telão com a tabela de vôos. O das 6:30 havia partido há cinco minutos. Caiu de joelhos desesperado, surdo e desatento pra tudo o que estava acontecendo.
Desatento...
Tão desatento que não percebeu que, imediatamente atrás dele, estava Nadine de pé com a mochila nas costas, a mala na mão e um sorriso entre lágrimas.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Desabafo embriagado ao leitor.

Prezado leitor, vamos brincar de ser racionais.
Muito se especula sobre quem é Maria Helena, porém poucos se interessam em pesquisar.
Não estou pedindo que se formem verdadeiros PHD´s em viciados e paranóicos; tampouco quando essa viciada e paranóica sou eu. Até porque, prezo pelo meu direito de coexistir em paz com os outros seres humanos.
Eu não sou um adulto frustrado, tampouco fui uma criança rejeitada. Tive amor, uma família estabilizada, um lar saudável, estudei em bons colégios e tive namorados que me davam flores e me levavam ao cinema. Mas a capacidade humana de percepção é espetacular e a mesma me fez perceber que tudo não passa de uma fachada.
Não que tudo seja falso, mas tudo tem seu lado ruim. Descobri que olhar o lado ruim pode tornar o lado bom melhor do que já é. Só pra salientar, não sou maniqueísta; tudo pode ter também um terceiro ou quarto lado.
Não sou afetiva? Engana-se. Amo minha filha, que é o meu maior motivo pra querer continuar participando dessa farsa. Claro, tenho minhas limitações em relação a ela, mas creio que é melhor assim.
Não escolhi ser assim, me criaram assim. Sou obra do projeto de adulto de uma certa Pequena tão doente quanto eu, que admira a degradação do corpo e da alma em prol de um cérebro ativo e racional. Não reclamo por ser assim, como ela quis. Só acho ruim não ter minha filha comigo. Mas, como já disse antes, é melhor assim.
Não faço questão que gostem de mim; nunca pedi isso. E não quero que leiam esta porra deste blog porque alguém pediu; mas porque eventualmente você precisa ler alguma coisa que soe e doa como um bofete do seu melhor amigo depois de contar pra ele alguma merda que você fez; e que, no final das lágrimas, te faça acordar pro que é ou não real ou que pelo menos provoque reflexões. Não tenho a menor intenção de ficar enchendo seu saco com minha vida, os processos que me levaram a ser assim e o que quero ou não para minha vida, apesar de já ter feito tudo isso. Só quero esclarecer que não sou um monstro, tampouco minha Pequena é louca. Sou só o produto de uma crise de insônia.
Pseudônimo?
Não.
Heterônomo.
Simplesmente Maria Helena.
Não a que vai existir.
Abraço.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

"Jesus numa moto"

"Preso nessa cela
De ossos, carne e sangue
Dando ordens a quem não sabe
Obedecendo a quem tem
Só espero a hora
Nem que o mundo estanque
Pra me aproveitar do conforto
De não ser mais ninguém

Eu vou virar a própria mesa
Quero uivar numa nova alcatéia
Vou meter um Marlon Brando nas idéias
E sair por aí
Pra ser Jesus numa moto
Che Guevara dos acostamentos
Bob Dylan numa antiga foto
Cassius Clay antes dos tratamentos
John Lennon de outras estradas
Easy Rider, dúvida e eclipse
São Tomé das letras apagadas
E Arcanjo Gabriel sem apocalipse

Nada no passado
Tudo no futuro
Espalhando o que já está morto
Pro que é vivo crescer
Sob a luz da lua
Mesmo com sol claro
Não importa o preço que eu pague
O meu negócio é viver!
Sob a luz da lua...
Mesmo com sol claro...
Preso nesta cela..."


Sá, Rodrix e Guarabira.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Duas almas num só corpo.

Era uma manhã nublada de setembro. A chuva empodrecia a madeira da sacada enquanto a medíocre luz do dia iluminava parte da bagunça do apartamento. Para não acabar torcendo um tornozelo, acendeu a luz e, do jeito que estava, de calcinha de algodão e camiseta branca, foi preparar o café.
O café, fiel companheiro, escorria na cafeteira enquanto engolia o primeiro analgésico e acendia o primeiro cigarro do dia.
Cafeína, nicotina, só faltava música. Não. Música hoje não. Os miolos explodiriam.
O janelão da sacada e uma cadeira confortável. Pronto. Tava bom assim.
Antes do último gole de café, alguém bateu na porta. Obrigou-se a vestir um short pra atender. Pelo visor da porta, não tinha a menor idéia de quem era. Só sabia que era mulher. E baixinha. Talvez uma adolescente. Abriu a porta.
Não era a visão que esperava. Uma garota aparentando seus 17 anos, corpo atlético, as pernas molhadas à mostra pro baixo da saia jeans, uma camiseta preta com o "A" de Anarquismo e os cabelos curtos, com duas cores que se chocavam violentamente.
E os olhos. Olhos de um castanho intenso, olhos inteligentes e curiosos, olhos fascinantes, hábeis observadores(a essa altura, a Pequena, como preferiu lhe chamar, já havia notado metade da bagunça do apartamento).
-O que você quer?- De quem se tratava Ela já sabia
- Não sei. Talvez um pouco de desprezo e uma boa dose de realidade.
A resposta surpreendeu. Um motivo pra convidá-la pra entrar.
Ofereceu café, bolachas e até cigarro. Ela aceitou tudo, com seus olhos perseguindo-a, como se cada movimento pudesse ser copiado, como se cada expressão pudesse ser roubada, como se quizesse ser ela própria.
-Como me encontrou?- Ela perguntou.
-Talvez estivesse na hora de conversarmos. Não iria demorar muito pra gente ficar frente á frente.
-Você procurou saber se eu queria isso?
-Você faria o mesmo se quizesse me encontrar.
-Avisaria previamente.
Silêncio
-São da sua filha?- Perguntou a Pequena apontando pras bonecas espalhadas no tapete.
-Sim. Passou o fim de semana comigo.
-Sabe por que a perdeu?
- O juíz não confiaria uma criança a uma viciada. Preferiu o troglodita do pai dela.
Silêncio.
-Você já se perguntou por que existe?- Ela perguntou
-Fui a alegria dos meus pais. Até crescer e ter uma mente considerada doente.
Silêncio
-Acha que toda essa merda que acontece comigo vai acabar um dia?- Perguntou a Pequena
-Não sei. E não sei se quero testemunhar quando isso acontecer.
-Você tem objetivos?
-No momento, quero mais café.
Ela foi pra cozinha e voltou com uma xícara e outro cigarro aceso.
-E também- Ela continuou- tenho que ir trabalhar ao meio dia.
Silêncio.
-Eu vim aqui porque preciso fugir às vezes.- Falou a Pequena.
-Vai acabar ficando igual a mim.
-Não seria tão ruim assim.
-Não se você não tivesse só 17
-Como sabe?- A Pequena estava surpresa; ela, impassível.
-Eu não quero ser seu refúgio. Você que é o meu- Ela falou.
-Pelo menos quando você está bêbada, não é?
-E se a gente tentar viver uma sem a outra?- Ela propôs.
-Você sabe que é impossível. Você quer se livrar de mim, mas não pode. Estou impregnada na sua essência.
-Nem você de mim- Ela falou- Eu falo por você.
-Temos que conviver. Eu tenho que parar de te adimirar. Não quero ser como você.- A Pequena chorava.
Ela falou enquanto soltava a fumaça do cigarro:
-Não dá mais. Você tem até meu jeito de fumar, pirralha.
-Será que podemos conviver amigavelmente?
-Só quando você precisar se expressar.
-Como é que a gente consegue essa sincronia de pensamentos?
-Eu sou seu lado podre. Ou pelo menos o que ele será.
-Exato. Foi por isso que eu vim aqui.
-Não vou cuidar de você. Já tenho uma filha pra me preocupar. Mas realmente, tenho que adimitir que esse encontro era necessário.
Olhavam-se em silêncio através da penumbra da sala. Os corações dispararam freneticamente. E, cortando o silêncio ensurdecedor, falaram em uma só voz:
-Somos parte uma da outra.
A Pequena enfiou o cigarro no cinzeiro, vestiu a blusa vermelha de mangas compridas, calçou os all- stars, apanhou a mochila e saiu do apartamento com um sorriso frouxo e murmurando um "a gente se vê".
Com certeza. Da próxima vez que Ela ficasse bêbada.