Sinceramente não sei o que vai sair daqui, mas estou com uma necessidade absurda de escrever. Carências à parte, vamos trabalhar que o leitor é curioso e eu, impaciente.
Ela tinha esse hábito desde criança. Copiava as historinhas em quadrinhos da turma da Mônica e, quando completou dez anos, ganhou seu primeiro diário; ela não sabia que o presente mudaria sua vida pra sempre. Ele era grande: tinha cerca de trezentas folhas, e ela anotava coisas até nos rodapés das páginas. Se ganhava um bom-bom, colava o papel nele, se chorava, molhava uma página com uma lágrima: era seu companheiro inseparável.
Chegou aos onze com o mesmo diário, que a acompanhava pra todo lugar. Sempre estava na mochila, e ela protegia com a vida, já que não tinha chave.
Junto com seus onze anos, vieram as primeiras paixões de infância. Marcelo foi seu primeiro “amor arrebatador”. O diário tinha páginas e mais páginas com corações coloridos com hidrocor o nome dela escrito com o dele. Ela guardava seu amor, Marcelo e sua alegria ali.
Um dia conseguiu uma foto dele, e onde ela foi parar? No diário, lógico! Ela colou numa página que fez questão de colorir, colou com cola e glitter, enfim...ficou lindo!
Ela dormia olhando pra foto; não se admirava mais ao acordar com o bendito diário na cara.
Certa vez deixou a mochila na arquibancada e foi jogar queimada com as meninas na quadra. Tudo foi muito divertido, com risos, muita poeira nas saias e rabos de cavalo. Foi uma manhã espetacular; ela gostava das aulas de educação física pra ficar com as amigas jogando queimada ou conversa fora mesmo. Foi pra casa feliz.
Quando chegou ao colégio, no outro dia, todos, meninos ou meninas, mais velhos e mais novos, olhavam pra ela e disfarçavam um risinho com as mãos. Não era pra ela, lógico. Não podia ser pra ela. Pelo menos preferia acreditar que não era dela que estavam rindo. Continuou caminhando, com a cabeça erguida, sorrindo falsamente aqui, ali, disfarçando porque estava sem graça. Não demorou muito pra saber o motivo de tamanha euforia dos seus colegas: Marcelo estava sentado num banquinho qualquer do pátio, rodeado de meninos da turma dele. Estavam todos lendo entretidos algo que parecia um livro. Olhou mais de perto, se aproximou e qual foi a surpresa quando viu que o motivo de tantos risos clandestinos era nada menos que...
-MEU DIÁRIO!
Como havia parado ali não sabia, mas com certeza não tinha dado a falta dele, já que quem arrumava suas coisas, era a mãe. Aliás, um dia antes daquele foi um dos poucos que ela não pegou no diário.
Todos riam da cara dela, descobriam seus segredos, viam seus desenhos; inclusive os corações com o seu nome e o de Marcelo gravado e a foto dele, colada com cola colorida. Queria morrer. Não acreditava que aquele que julgava ser o amor da sua vida, aquele que ela queria como um namorado, que ela sonhava passear de mãos dadas, trocar presentes no famoso doze de junho, estava lhe ridicularizando, ridicularizando seu sentimento, seu amor! Ficou cega; arrancou o diário das mãos daquele canalha (sim, foi essa a palavra que lhe veio à cabeça na hora!) e bateu na cara dele com a capa dura; ele fingiu que não doeu e começou a rir. Não suportou o deboche e pulou em cima dele; bateu na cara dele até o nariz sangrar e os arames arranharem o rosto, desmanchando o sorriso sarcástico. Quando ela viu os inspetores se aproximando não pensou em outra coisa; correu pro banheiro e lá ficou a manhã toda chorando trancada num boxe, apesar dos gritos da sua mãe e dos apelos da diretora do colégio para que se afastasse para arrombarem a porta.
Mas ela não desencostou da porta, praguejou a todos, amaldiçoou o jogo de queimada, que fez com que se desligasse da mochila; não deixaria que a humilhassem de novo.
Maria Helena foi expulsa do colégio e talvez por isso ainda escreve, mas não com tanta e nunca com a mesma emoção.
4 comentários:
Eu nunca tive O Primeiro Amor...
Nossa, de vez em quando lembro que também fizeram isso à Sophia, mas de uma maneira bem mais discreta.
Lindo!
;)
Beijos!
É bom saber como se inicia a personalidade de uma pessoa..ou Supor isso...
Da vontade de conhecer mais e mais o indivíduo...
E, quanod a história de sua vida faz vc pensar que está lendo uma história inventada por alguem...ou vice-versa...convence...Isso é M.H...pura!!!
Indivíduo intrigante...me apaixona (artisticamente) ler esses textos...o desejo de ler mais cresce...MH...fantástica...
Meninos sempre são assim (a maioria pelo menos).
É romântico isso, trágico, mas romântico.
Exemplificando: vários países são de primeiro mundo e já passaram por guerras e destruições.
Sinta a comparação!
Beijos!
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