Antes de ler, clique aqui. Se já leu, desconsidere a breve interrupção.
O hospital estava no auge da correria. Era inverno e as chuvas em São Paulo faziam as mais diversas vítimas; desde acidentados até viroses. Trabalho dobrado para os enfermeiros e * estava quase louco. Nada que não pudesse dar conta, até porque sabia que ser enfermeiro era lidar com a vida dos outros num ritmo alucinante. Além de ter aprendido a sobreviver ao cheiro de doença, aprendeu também a driblar as cantadas das outras enfermeiras e médicas do seu setor. Conseqüência do charme natural e dos cabelos desgrenhados que lhe davam aparência de menino carente, além da voz grave e do andar másculo.
Sair do hospital depois do plantão era mergulhar num universo paralelo delicioso, onde só existiam ele, uma garrafa de vinho ou cerveja, Stone Temple Pilots tocando à meia altura, enchendo de cor o apartamento iluminado pela débil luz do dia nublado e a vizinha do apartamento em frente, no prédio do outro lado da avenida. Disfarçadamente contemplava a silhueta da morena esticada na espreguiçadeira da sala, sonhando acordada, solitária, segurando numa das mãos algo que parecia um papel e na outra uma caneca cheia de alguma coisa, ouvindo algo indistinguível, mas com certeza era tranqüilo. Sempre que voltava do trabalho, * olhava em direção à janela dela na esperança de vê-la antes de adentrar os portões do seu prédio. E continuava a fazê-lo quando sentava na poltrona depois de ligar o som.
Era um misto de desejo e adoração. Vê-la de camisão preto, tomando e ouvindo qualquer coisa, despertava em * os mais deliciosos calafrios e um instinto protetor que um homem só sente duas vezes na vida: diante da mãe ou de um filho. Era rotina procurar, dentre as mil maneiras, uma para dirigir-lhe a palavra quando se encontravam, eventualmente, na padaria. Mas quando encontrava uma, ela já estava recolhendo suas compras e indo embora. * se desesperava ao vê-la ir, mas excitava-se como uma criança e um brinquedo novo ao vê-la no janelão de seu apartamento. E seus devaneios construíam uma ponte interligando os dois prédios, ela vinha caminhando linda e segura sobre ela e caia direto nos braços dele, com um cheiro maravilhoso de vinho no hálito quente e de sabonete na pele bronzeada, dizendo (por que não?) “*, eu te amo!”.
Era loucura. Nem se conheciam, mas de alguma maneira, se amavam. * se sentia o pior dos idiotas, sonhando com alguém que nem sabia o nome. Ela só lhe despertava as mais loucas fantasias...só isso.
“À merda com o pudor! O que me impede de ser feliz com ela? Se não der certo não seríamos o primeiro casal do mundo a se separar! Pronto!”. Pensar nisso o assustava, porém mais louco ainda era pensar em como um dia estariam juntos. “Birutices de um idiota apaixonado” dizia pra si mesmo. Mas quem é mais feliz que os idiotas apaixonados? Que se entregam de corpo e alma para alguém que nem conhecem em troca de migalhas de atenção? * era um deles e nada o deixava mais contraditoriamente feliz que isso.
Num fim de tarde chuvoso, depois do expediente, voltando para casa com os ingrediente para uma macarronada no pacote pardo da padaria, sob o guarda chuva, mal pode acreditar no que estava vendo: ela saia correndo do prédio que morava em direção à avenida. * sentiu o coração disparar e as pernas tremerem quando percebeu que ela corria em direção ao prédio dele, mas continuou andando. Talvez fosse visitar alguma amiga que morava lá, não importava; ia convida-la pra entrar, se secar perguntaria quem ela procurava enquanto ela secava os cabelos com uma toalha dele, ouviriam Stone Temple Pilots, comeriam a macarronada, dormiriam juntos...Seria maravilhoso!
* viu seu devaneio destruído por um sedan preto que esmagou o corpo frágil e molhado de sua amada desconhecida, quando ela tentava atravessar a avenida sem perceber o semáforo verde. Sem pensar, largou o pacote, pegou-a nos braços e colocou-a no carro de um senhor solidário que se ofereceu para socorrer a acidentada. A única coisa que * pode ouvir foi um “eu te amo” quase inaudível vindo dela em seu último suspiro. Ao ler o laudo médico, soube que ela morreu de parada cardíaca e que se chamava Clarissa.
6 comentários:
acho que M.H refletiu melhor neah?
hehehe
Foi um complemento perfeitoo, amei!
oo meu deeus pq ela morreu?Ç_Ç
faz uma continuação aew em q ela ressucita!! \'-'/(onda)
essa aew sabe contar uma historia vu!!
saudades =*
:'(
Estrondamente, acima de qualquer precipício que já pulei! Magnífico!
É, mas a continuação sobre a vida dele...
Te amo!
\o
Beijos
Sophia!
Muito boa a continuação.
Muito mesmo.
Acho que vou produzir um filme com essa história, libera?
Beijo, M.H.
Quem sou eu, para no entanto ao menos liberar um sonido a respeito, pois ainda estou em tremendo estado de avaliação conceitual, não de rotina, mais de retalização.
Garota, você é um universo de faculdades tocantes.
PS.:Posso te citar em meus bandoleiros urbanos?
Postar um comentário