sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Quanto vale um suspiro.

Fim de tarde de inverno num apartamento sem cortinas. Clarissa estava estendida numa espreguiçadeira tomando leite quente e ouvindo Norah Jones. Linda voz, linda tarde, linda foto. Era tudo o que ela olhava na penumbra: a foto de *, que ela havia roubado no orkut dele e revelou pra botar na agenda. Ele sorria, com a mão na frente do rosto, os cabelos desgrenhados e olhos desfocados(talves estivesse bêbado quando tiraram a foto).
Era tudo o que ela queria; a espreguiçadeira, uma tarde chuvosa de inverno e *. Mas não se pode ter tudo na vida, não é?
Não era um ex namorado. Sequer um amigo! Era um amor platônico, daqueles que esfriam o estômago, provocam tonturas e delírios e despertam as mais loucas fantasias. Clarissa não entendia porque aquilo acontecia. Tinha um namorado que a adorava, e gostava dele também. Mas sempre se dava ao luxo de olhar aquela foto, contemplar aquele sorriso, imaginava ter aquela voz dizendo baixinho e perto do ouvido que a amava, tomar um vinho olhando uma paisagem qualquer; desde que estivesse nos braços dele.
E o pior: * não morava tão longe. Há exatos 3 meses ele havia se mudado pra um apartamento no prédio do outro lado da avenida e Clarissa sempre topava com ele na padaria. Todas as manhãs, pra ser mais exato. E todas as noites, o via chegar do trabalho, entrando no prédio com um pacote pardo nas mãos. Na maioria daz vezes, tinha uma garrafa de vinho. Ou algumas cervejas. Não importa; ela só o queria. Com ou sem bebida, com ou sem roupa. Era só ele que ela queria.
"Deixa de ser idiota, Clarissa! Você tem namorado, sua tonta!". Isso gritava em seus pensamentos, mas, como toda mulher, ela não dava ouvidos ao que sua consciência tinha a dizer sobre seu amado. Enquanto sua consciência travava uma verdadeira guerra civil com seu bom senso, Clarissa se esticava na espriguiçadeira com sua caneca de leite quente e a foto de *, esperando chegar 18:30 da noite pra vê-lo entrar no prédio do outro lado da avenida.
Uma terceira voz, que Clarissa não sabia de onde tinha vindo, lhe deu a brilhante idéia de ir lá falar com ele. Um encontro "casual" na chuva pra ao menos ter a chance de ser convidada pra entrar, se secar e tomar um vinho. Romântico demais? Não para uma mulher apaixonada.
Enquanto se vestia para protagonizar tal cena, a cabeça funcionava à mil. "Será que vai dar certo? Será que vou parecer idiota? Será que ao menos vou ser notada? Deus! Só nos cumprimentamos duas vezes na padaria e eu aqui fantasiando com alguém que nem sabe que eu existo!"
Mas valeria a pena. Clarissa precisava senti-lo de perto. Mesmo que saísse de casa só pra compartilhar a calçada com ele sob a chuva; já valeria à pena.
Calçou um tênis qualquer e ficou na varanda do apartamento esperando * aparecer. Não demorou muito pra achar um vulto cabeludo e alto segurando um pacote pardo e um guarda-chuva se aproximando do semáforo na avenida. Ela correu o quanto pode escadaria abaixo e em poucos minutos estava na rua. Ele estava se aproximando do portão do prédio. "Meu Deus, não vou pegá-lo antes de entrar! Tenho que esbarrar nele antes que chegue ao portão!". Clarissa saiu correndo pra atravessar a avenida, estava bem perto agora! Faltava pouco, tão pouco...
A última coisa que ela viu foi um sedan preto se aproximando e chocando-se contra seu corpo frágil e molhado. Sua vida criou sentido e tudo escureceu.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Coelho.

Eram nove e meia da manhã quando acordei com os olhos e o estômago queimando. Tomei logo um antiácido e, quando estava me dirigindo à cozinha pra pegar café, me dei conta de que não estava sozinha no apartamento: minha filha havia me dado um cachorro. Desses pequenininhos, peludos, do latido fino, que fuçam tudo e se enfiam em todos os buracos disponíveis na casa. Ele latia alegre e balançava o rabo, como se dissesse: “Por que demorou tanto? Passei a noite sozinho aqui, viu?”
PAUSA. Eu imaginei o que o cachorro falaria? Eu precisava de café. E um cigarro.
Foi foda! Ele me perseguia por todos os cantos, fuçava nas minhas pernas até os joelhos, que era só até onde alcançava. Parecia que tinha achado um brinquedo: eu! Parecia até que falava: “Maria, brinca comigo!”
ESPERE. Eu o imaginei falando de novo? Ah, faltavam os comprimidos.
Enquanto tomava banho, não conseguia parar de pensar. Puta que pariu! Vou ter que arrumar uma empregada pra cuidar do Coelho e limpar a merda dele. Adeus, vida solitária e tranqüila.
ESPEREM OUTRA VEZ. Chamei o cachorro de Coelho?
Ah, esse eu admito que sim. Quando tinha a idade da minha filha, queria um cachorro só pra chamá-lo de Coelho. E o batizei assim.
Coelho era feliz. Me fez abrir as janelas do apartamento (fazia tempo que o sol não dava as caras por aqui), arrumei mais espaço na sala pra ele, fiz um cantinho pra ele na minha área de serviço, enfim... Essa manhã mal tive tempo de pensar na minha ressaca.
Coelho era curioso. Fuçou dos ursos da minha filha ao armário de limpeza, balançando o rabo e mexendo o nariz. Fez a maior bagunça, bebeu água e deitou-se sob o sol da sacada. Filho da puta.
Coelho era carente. A todo instante puxava a barra da minha calça, pulava no meu colo, latia até eu abaixar e fazer carinho nele.
Pior ainda: ele me fez lembrar que quem andava carente era eu.
Eu transformava (logo avisando que não vou parar) minha carência em doses cavalares de cafeína e uma quantidade absurda de analgésicos. O cigarro dissolvia meus pulmões e o álcool corroia meu fígado.Tudo isso por solidão. E carência.
Ao mesmo tempo que percebo isso, repugno a idéia de suprir esse tipo de necessidade com alguém mais racional que minha filha. No máximo, o Coelho. Humanos são traiçoeiros, homens são insensíveis e amigos podem trair. Logo, estou satisfeita com meu pequeno e fiel círculo de poucas e valiosas compainhas. Essa foi uma das poucas escolhas que fiz: estar sozinha. Não auto-suficiente; é impossível. Mas a solidão é necessária em algumas fases da sua vida e estou em uma dessas fases. Coelho vem me fazendo compainha e estou contente porque não fico mais bêbada no sábado e dá pra ir buscar minha filha pra passar o fim de semana comigo.
Fase apática; se vai passar, não sei. Não espero nada pra amanhã, nem pra semana que vem. Melhor ficar quieta, com meus finais de semana, agora, felizes.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Minha adorada Pequena...

A menina dos olhos castanhos
Castanho vivo e intrigante
A menina da voz alterada
Rouca, quase excitante
A menina do dedo médio estendido
Que me conquistou com um sorriso e um “vai se foder!”
Que eu guardaria na mochila pra levar comigo onde eu fosse
Que chora pra mim como chora pra poucos
E que me deixa com vontade de matar qualquer um que lhe arranque uma lágrima sequer
A menina das pernas perfeitas
E do arremesso impreciso; mas se pegar na cabeça, dói
A menina do andar desfilante e do rebolado insinuante
Um verdadeiro insulto ao passar
Que eu amo como mulher, e, se só tenho como amiga, é porque o que é dela ta guardado
A menina que odeia bossa, mpb, blues, jazz e progressivo
Mas me faz chorar quando toca violão...calada
A “Índia punk que fala inglês”
A que divide uma pulseira de borracha comigo
A que sabe escrever, cantar, tocar, dançar, jogar, [beijar]
E ainda teve tempo de me deixar louco
Ela que me ensinou a ser homem
A amar, a ser sensível, a compreender
A perdoar
A ver nela não a mulher perfeita,
Mas um ser humano errantemente perfeito
Como eu queria um suspiro dela!
Um único suspiro!
E um beijo
Um beijo de perder o fôlego e mandar a razão pro espaço
Pouco importa se somos amigos, ou algo mais que isso
Eu só queria um beijo
É isso!
Um suspiro e um beijo
Pra eu partir em paz.

Anderson Andrade para Tracy Whitney.
Amigo fiel e eterno apaixonado.