Era tudo o que ela queria; a espreguiçadeira, uma tarde chuvosa de inverno e *. Mas não se pode ter tudo na vida, não é?
Não era um ex namorado. Sequer um amigo! Era um amor platônico, daqueles que esfriam o estômago, provocam tonturas e delírios e despertam as mais loucas fantasias. Clarissa não entendia porque aquilo acontecia. Tinha um namorado que a adorava, e gostava dele também. Mas sempre se dava ao luxo de olhar aquela foto, contemplar aquele sorriso, imaginava ter aquela voz dizendo baixinho e perto do ouvido que a amava, tomar um vinho olhando uma paisagem qualquer; desde que estivesse nos braços dele.
E o pior: * não morava tão longe. Há exatos 3 meses ele havia se mudado pra um apartamento no prédio do outro lado da avenida e Clarissa sempre topava com ele na padaria. Todas as manhãs, pra ser mais exato. E todas as noites, o via chegar do trabalho, entrando no prédio com um pacote pardo nas mãos. Na maioria daz vezes, tinha uma garrafa de vinho. Ou algumas cervejas. Não importa; ela só o queria. Com ou sem bebida, com ou sem roupa. Era só ele que ela queria.
"Deixa de ser idiota, Clarissa! Você tem namorado, sua tonta!". Isso gritava em seus pensamentos, mas, como toda mulher, ela não dava ouvidos ao que sua consciência tinha a dizer sobre seu amado. Enquanto sua consciência travava uma verdadeira guerra civil com seu bom senso, Clarissa se esticava na espriguiçadeira com sua caneca de leite quente e a foto de *, esperando chegar 18:30 da noite pra vê-lo entrar no prédio do outro lado da avenida.
Uma terceira voz, que Clarissa não sabia de onde tinha vindo, lhe deu a brilhante idéia de ir lá falar com ele. Um encontro "casual" na chuva pra ao menos ter a chance de ser convidada pra entrar, se secar e tomar um vinho. Romântico demais? Não para uma mulher apaixonada.
Enquanto se vestia para protagonizar tal cena, a cabeça funcionava à mil. "Será que vai dar certo? Será que vou parecer idiota? Será que ao menos vou ser notada? Deus! Só nos cumprimentamos duas vezes na padaria e eu aqui fantasiando com alguém que nem sabe que eu existo!"
Mas valeria a pena. Clarissa precisava senti-lo de perto. Mesmo que saísse de casa só pra compartilhar a calçada com ele sob a chuva; já valeria à pena.
Calçou um tênis qualquer e ficou na varanda do apartamento esperando * aparecer. Não demorou muito pra achar um vulto cabeludo e alto segurando um pacote pardo e um guarda-chuva se aproximando do semáforo na avenida. Ela correu o quanto pode escadaria abaixo e em poucos minutos estava na rua. Ele estava se aproximando do portão do prédio. "Meu Deus, não vou pegá-lo antes de entrar! Tenho que esbarrar nele antes que chegue ao portão!". Clarissa saiu correndo pra atravessar a avenida, estava bem perto agora! Faltava pouco, tão pouco...
A última coisa que ela viu foi um sedan preto se aproximando e chocando-se contra seu corpo frágil e molhado. Sua vida criou sentido e tudo escureceu.