sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Coelho.

Eram nove e meia da manhã quando acordei com os olhos e o estômago queimando. Tomei logo um antiácido e, quando estava me dirigindo à cozinha pra pegar café, me dei conta de que não estava sozinha no apartamento: minha filha havia me dado um cachorro. Desses pequenininhos, peludos, do latido fino, que fuçam tudo e se enfiam em todos os buracos disponíveis na casa. Ele latia alegre e balançava o rabo, como se dissesse: “Por que demorou tanto? Passei a noite sozinho aqui, viu?”
PAUSA. Eu imaginei o que o cachorro falaria? Eu precisava de café. E um cigarro.
Foi foda! Ele me perseguia por todos os cantos, fuçava nas minhas pernas até os joelhos, que era só até onde alcançava. Parecia que tinha achado um brinquedo: eu! Parecia até que falava: “Maria, brinca comigo!”
ESPERE. Eu o imaginei falando de novo? Ah, faltavam os comprimidos.
Enquanto tomava banho, não conseguia parar de pensar. Puta que pariu! Vou ter que arrumar uma empregada pra cuidar do Coelho e limpar a merda dele. Adeus, vida solitária e tranqüila.
ESPEREM OUTRA VEZ. Chamei o cachorro de Coelho?
Ah, esse eu admito que sim. Quando tinha a idade da minha filha, queria um cachorro só pra chamá-lo de Coelho. E o batizei assim.
Coelho era feliz. Me fez abrir as janelas do apartamento (fazia tempo que o sol não dava as caras por aqui), arrumei mais espaço na sala pra ele, fiz um cantinho pra ele na minha área de serviço, enfim... Essa manhã mal tive tempo de pensar na minha ressaca.
Coelho era curioso. Fuçou dos ursos da minha filha ao armário de limpeza, balançando o rabo e mexendo o nariz. Fez a maior bagunça, bebeu água e deitou-se sob o sol da sacada. Filho da puta.
Coelho era carente. A todo instante puxava a barra da minha calça, pulava no meu colo, latia até eu abaixar e fazer carinho nele.
Pior ainda: ele me fez lembrar que quem andava carente era eu.
Eu transformava (logo avisando que não vou parar) minha carência em doses cavalares de cafeína e uma quantidade absurda de analgésicos. O cigarro dissolvia meus pulmões e o álcool corroia meu fígado.Tudo isso por solidão. E carência.
Ao mesmo tempo que percebo isso, repugno a idéia de suprir esse tipo de necessidade com alguém mais racional que minha filha. No máximo, o Coelho. Humanos são traiçoeiros, homens são insensíveis e amigos podem trair. Logo, estou satisfeita com meu pequeno e fiel círculo de poucas e valiosas compainhas. Essa foi uma das poucas escolhas que fiz: estar sozinha. Não auto-suficiente; é impossível. Mas a solidão é necessária em algumas fases da sua vida e estou em uma dessas fases. Coelho vem me fazendo compainha e estou contente porque não fico mais bêbada no sábado e dá pra ir buscar minha filha pra passar o fim de semana comigo.
Fase apática; se vai passar, não sei. Não espero nada pra amanhã, nem pra semana que vem. Melhor ficar quieta, com meus finais de semana, agora, felizes.

6 comentários:

Marcos Antônio disse...

òtimu textu índia...

às vezes eu sou um coelho na vida das pessoas.

adorei

Marcos Antônio disse...

Bem sou eu. Toinhu.


Vc escreve muuto bem, queria te conhecer.
Vc deve ser uma menina muito especial e , concertza, universitária!
bjus

Barbie Destrossada(sic) disse...

Nossas meninas andam nos ajudando bastante,não?
Bom saber que criaturas como Coelho podem tornar um submundo/espaço seco em um submundo/espaço mais fértil!

P.S.:Pare de tomar seus remédios sem fazer o desjejum!!

Raphinha disse...

Solidão é mesmo necessária em certas fases, aprendemos muitas coisas com ela. Tava tentando buscar isso, mas tenho obrigações com tantas pessoas que fica difícil.

Bom saber que de alguma forma meus pensamentos fazem bem.

Abraço.

Sophie disse...

A solidão é sim necessária, mas não a obrigue a ser necessariamente necessaria o tempo todo.



Beijo, M.H.

Iv0 disse...

Conheci MH aqui...
Neste texto incrivel...Uma identidade formada por outra identidade...atriz, talvez...das letras, sim!

Adoro essas palavras que leio!