sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O Fumódromo.

Há exatos três meses que Frank se consumia. O término de um namoro de quatro anos lhe trouxe à tona seu maior medo: ficar sozinho. Era desesperador se imaginar dormir sem uma mulher do lado, terminar uma semana sem sua dose de progesterona necessária pra se considerar um homem “ativo”, não ter pra quem ligar quando precisasse de carinho (não que fosse romântico, mas era galante e mulher gostava dessas coisas), não ter o que contar sobre sexo na mesa de bar com os amigos; essas coisas que só uma mulher pode proporcionar ao ego de um machista. Precisava sair à caça, fazer logo uma vítima. Cama de homem solteiro sem movimento era sinônimo de falta de serviço; logo o Frank! O maior “pirigueteiro” da galera, sempre acompanhado de uma loura estonteante ou de uma morena de um metro e oitenta!
Não, não iria durar por muito tempo sua quarentena forçada.
Ligou o computador e analisou cautelosamente sua lista de contatos do sexo feminino. “Alta demais”, “independente demais”, “fala demais”, “sexo de menos”, “muito sentimental...” Nenhuma parecia atender aos seus critérios!
“Eureka!”.
Maria foi uma amiga e tanto nos tempos de faculdade. Faziam absolutamente tudo juntos, eram amigos inseparáveis. Trocavam idéias, confissões, segredos e vez ou outra orgasmos também. Era uma relação maravilhosamente saudável pros dois. Era garantia de sexo com amor, prazer e falta de compromisso; perfeito como goiabada com queijo. Mas Maria era meio louca e começou a namorar o Tavinho. Louca porque o Tavinho era o maior irresponsável da faculdade toda, o maior galinha que Frank teve a sorte de conhecer, além dele, lógico. Mas Maria estava tão apaixonada que Frank não teve outra escolha além de aceitar. Apoiou, deu-lhe o ombro e até apadrinhou a noiva, que por sinal estava linda. Sim! Tavinho e Maria chegaram a casar! E tiveram uma filha! Maria trancou a faculdade pra cuidar da família, deixou de sair com ele pras festas e farras e, quando ia, sempre voltava cedo pra pegar a filha na creche e cuidar do jantar.
Tudo muito lindo; parecia que Tavinho tinha tomado jeito até que Frank recebeu aquela ligação:
-Frank, se importa se eu for dormir na sua casa com Estella hoje?
Era estranho, mas nunca havia desamparado Maria antes, por pior que fosse o problema. Exatamente uma semana depois, Maria se mudava com Estella pra um apartamento ao lado; Tavinho e Maria se separaram após um ano de casamento. Foi tudo muito rápido, nem deu pra sentir o gosto de ter Maria “disponível” de novo. Tanto que Maria se mudou com Estella pra outra cidade e nunca mais se viram.
Foi realmente obra do acaso. Frank nunca foi de acreditar em destino, só podia ser o acaso lhe pregando uma peça. Das mais quentes! Não é que um dia, no café que freqüentava depois de dar suas aulas (Frank ensinava geografia numa universidade), se deparou com alguém muito parecido com Maria tomando café, fumando um cigarro e escrevendo algo numa mesa da área de fumantes?!
Precisava conferir mais de perto e, quando o fez, descobriu que, de fato, era a dita cuja!
Não coube em si de tanta emoção; aqueles anos deliciosos que os dois amanheciam juntos em qualquer lugar depois de uma noite de conversas profundas e sexo gostoso, as brigas na faculdade, as cachaças, as rodinhas de baseado...tudo aquilo lhe veio à tona! Havia encontrado seu principal eixo com a felicidade numa mesa do fumódromo de um restaurante!
Não pensou duas vezes quando resolveu se aproximar da mesa. Maria estava linda; os anos lhe trouxeram charmosas rugas quase imperceptíveis, mas que lhe davam um ar de mulher, por baixo do jeans ainda era possível notar as pernas fortes e torneadas outrora em vestidos leves e floridos, os cabelos ainda eram de um castanho intenso e brilhante. Ah, como queria ver o que seus lindos olhos castanhos haviam se tornado por baixo daqueles óculos de aro grosso.
Não tinha dúvidas: era Maria. Estava numa fase ruim, reencontrar sua amiga do peito e da cama lhe levantaria o ego.
Aproximou-se lentamente e falou:
-Maria?
Ela lhe levantou os olhos, tirou os óculos. Ainda eram lindos; com algumas olheiras, mas o tempo lhe trouxe um charme único de mulher madura e um nariz que exalava fumaça de cigarro; de fato era uma mulher feita e vivida, nada parecida com a Maria dos vestidos de seda e dos cadernos floridos nos tempos de faculdade.
-Quem é você?
A voz era ríspida, rouca, incrivelmente deliciosa aos ouvidos. O cigarro provavelmente havia prejudicado suas cordas vocais, porém lhe deram um tom grave à voz naturalmente rouca.
-Frank, Maria! Da faculdade; você fazia jornalismo e eu geografia! Não lembra?
Ela o olhou de cima a baixo, lhe arrepiou a pele com o olhar. Custou se conter pra não ter uma ereção.
-Claro que lembro! Como você está? Deseja sentar-se comigo pra tomar algo?- ela respondeu com um sorriso obrigatoriamente simpático.
Não era exatamente esse tipo de reação que ele esperava; achava que ela o receberia com festa, iria levantar-se, dar-lhe um abraço e infinitos beijos pelo rosto, conversariam um bom tempo e terminariam a noite bebendo no bar, depois num motel. Com certeza não havia correspondido sua expectativa.
Frank chamou o garçom e, como todo cavalheiro, mandou Maria fazer seu pedido primeiro.
-Wall Street duplo, puro e sem gelo.- ela pediu
Ele estava chocado com a classe genuína de alguém outrora tão simples e meiga.
-E o senhor?- perguntou o garçom
-O mesmo, com gelo, por favor.- respondeu
Pra começar, Frank não sabia onde pôr as mãos. Maria guardava suas anotações na bolsa, vez ou outra tragava o cigarro, bebericava sua xícara de café; lhe intimidava só com os gestos. Até que entendeu que não estava diante da Maria de alguns anos atrás; era uma estranha, feminista e incrivelmente sexy! Controlou-se de novo pra não ter uma ereção.
-Que anda fazendo da vida? –Ela interrompeu o silêncio inesperadamente.
-Dou aulas na universidade, estou trabalhando em um livro, ando ocupado com minha vida profissional. Acabo de sair de um namoro de quatro anos...
-Você não casou?- ela interrompeu
-Não, prefiro esperar o momento certo-ele concluiu. Estava ansioso pra chegar à parte que despiria os fatos ocorridos com aquele ser espetacular do outro lado da mesa. Não queria despir só os fatos...
O garçom sentou os copos na mesa. Maria deu um gole considerável na sua dose antes de Frank interromper o silêncio.
-E a sua vida? Conte-me o que aconteceu com você nesse tempo que não nos vimos.
Ela ajeitou-se na cadeira e começou a falar:
-Depois que sai do prédio que você morava, levei Estella pra morar em outro lugar longe do pai, quando descobri que o Tavinho havia aberto um processo contra mim; ele pediu a guarda da Estella e ganhou.- Ela parou e tragou o cigarro. –Comprei um apartamento na cidade onde o infeliz morava com a mãe pra ficar perto da Estella e a levo pra casa dos meus pais no fim de semana ou pro meu apartamento, que é quando eu posso ficar com ela. Estou trabalhando num jornal, ainda fumo nossos baseados e ainda bebo como antes, além do cigarro. Talvez eu tenha perdido minha filha por isso, mas não importa; ela será educada pela avó católica beata e o pai ex-viciado. Até lá, só preciso me manter sóbria quando minha filha estiver comigo e ver se ainda posso fazer algo por ela, já que foi o único amor que conheci na vida; quando não, bebo, fumo, trabalho, existo, cuido do meu cachorro e sou feliz no meu apartamento sombrio cheirando a lugar velho.
Era um relato impressionantemente frio e lacônico. Perder a filha tornou Maria uma casca vazia e impenetrável. Ou teria sido a trajetória como um todo? Frank se perguntava se havia espaço pra um homem na vida de Maria. E na cama, eventualmente.
-E você não tem um namorado? – Ele perguntou tentando ser simpático.
-Eu tenho o meu cachorro.- Ela respondeu soltando a fumaça de um trago.
-Mas você faz sexo com seu cachorro?- Os dois caíram num risinho que, em outra época, seria uma gostosa gargalhada.
-Em qualquer lugar se encontra sexo hoje em dia, meu cachorro ainda não precisa cumprir tal ofício.- Ela falou num tom de deboche, frio, superior. De fato Frank estava intimidado com o que Maria havia se tornado. E excitado também.
Quase uma hora de papo e Frank já estava se perguntando em como chegaria à parte de trocarem telefones. Apesar de implacável, ele sabia que Maria adorava um convite repentino. Até que Maria começou a dar indícios que iria embora.
-Como faremos pra nos encontrar de novo?- Ele perguntou.
-Se a sorte for legal mais uma vez, nos topamos por aí. Espero estar sóbria de novo pra lembrar. Se bem que o fato de você ter me encontrado e, ainda por cima, sóbria já é sorte em dose dupla. – Ela jogou dez reais na mesa pra dose de uísque que tomou e levantou-se -Espero que eu não tenha broxado sua intenção de não passar a noite sozinho. Boa sorte!
Ela sorriu e virou-se em direção à porta e saiu com o mesmo rebolado estonteante dos tempos de faculdade, deixando pra trás um Frank escandalizado.

7 comentários:

Raphinha disse...

A vida faz muito disso com as pessoas, esfria, endurece... quase sem querer.

Daniele B. disse...

Maria, Maria...
Espero que ela não tenha se arrependido; sem torcer por A nem B.
Mas acho que ela realmente precisava de sexo :P
(rsrsr)

Maria Helena Sobral disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk....

"Toda feminista precisa de uma boa gozada." Já me disse uma sábia mestra.

Diadorim: Será que foi mesmo a vida?

Grata a atenção, abraço!
M.H

Anônimo disse...

Pra começo de conversa, esse teu conto cheio de intertextos é excelente.

Deu a menor dó de Frank, mas achei que Maria, apesar de fria e dura, está bem mais interessante do que a meiga Maria de antes. A tristeza traz mais do que lágrimas, né?

xero

Anônimo disse...

com tanto elogio assim, eu fico até com vergonha.
:)

pode ficar certa que eu também vou voltar aqui sempre.

Sofia O. disse...

Isso é lenda? :P

Barbie Destrossada(sic) disse...

Um homem comum reecontra uma mulher, agora, incomum...Instigante, por sinal!
Talvez eu a conheça...
;)