sexta-feira, 14 de março de 2008

Café com hortelã.

Nostalgia.

Era uma tarde de sábado cheia de nada pra fazer. Eu tomava café na minha varanda quando me deparei com Coelho completamente inquieto. Tudo bem, quieto ele nunca foi, mas naquela tarde estava demais! Subia nos sofás, nas camas e só não subiu na minha espreguiçadeira porque reparou o meu olhar fulminante, denunciando as conseqüências que ele ia sofrer se protagonizasse tal ato. Era engraçada nossa comunicação, eu nunca gritava com ele, só precisava olhar...e ele me entendia. Engraçado que isso nem com minha filha funciona! Deve ser o gene que me diz respeito; nunca fui obediente, Estella também não, logo, ta explicado.
Mas não vamos falar de minha filha; voltemos ao insuportavelmente inquieto Coelho.
Minha paciência estava em Saturno quando me vesti, pus a coleira no filhote e saímos pra dar uma volta. Se soubesse que a brisa estava tão gostosa, teria saído mais cedo. Ainda assim agradeci ao Coelho pelo pôr do sol que assistimos na praça perto do meu condomínio, comendo cachorro quente e tomando coca cola.
Na volta pra casa, decidi passar pela casa dos meus pais. Fazia tanto tempo que eu não ia lá; eles envelheceram e decidiram gastar a gorda aposentadoria do meu pai viajando pelo Brasil. Provavelmente eu ia dar de cara com Maria, nossa empregada desde meus tempos de ginásio, e ela me diria o de sempre: seus pais estão em tal capital, ou em tal hotel, “aqui está o telefone, querida!”. Não, eu não estava a fim. Eles sempre me procuravam quando estavam por aqui mesmo, eu não ia dar viagem perdida. Mas não ia custar nada cansar mais o Coelho; ele dormiria a noite toda e eu não ia precisar arrumar bagunça alguma feita pelo resto de energia que poderíamos ter gastado na caminhada. É, nós fomos.
Aquelas ruas onde brinquei de amarelinha a infância toda, aquelas casas com cheiro de feijão pro almoço e sopa pra janta, aquelas mesmas donas de casa sentadas na frente, conversando sobre a novela das oito, o bar ao lado da minha casa ainda reunia os mesmos barrigudos de bigode, suados do trabalho pesado, bebendo cerveja e beijando putas seminuas, velhas, gordas, da pele oleosa e cabelos cheio de creme barato... É, tudo normal por aqui.
Dona Mirtes, a vizinha da terceira casa após a que morei, me reconheceu.
-Helen! -Meu irmão me chamava assim e alguns idiotas adotaram; era o nome da diretora do colégio, que sempre me usava como exemplo pros meus colegas por ter boas notas. Como nossos nomes eram parecidos, todos me zoavam assim. "Hellen mirim!"
Eu odiava!
Meu nome é Helena! Maria Helena! Que inferno, por que meus momentos nostalgia sempre eram azedados por lembranças chatas? Eu devia ter levado Coelho pra casa, não me importaria de arrumar qualquer bagunça que ele fizesse, desde que não precisasse ouvir alguém me chamando por aquele nome asqueroso...- Como você está, querida? Seus pais já voltaram de viagem? O que a trás aqui...
Dona Mirtes parecia uma gralha desagradável, suja e tagarela. Eu queria ter respondido metade das perguntas que ela fez; e também queria minha língua ferina de quando tinha quinze anos, só pra mandar ela tomar no cu por ter me chamado...Daquilo.
-Eu vou muito bem, Dona Mirtes, e a senhora?- Tentei ser educada...Pra que? A velha pôs-se a falar da vida dela como se fosse o último capítulo da novela mais assistida do momento. Nem se fosse isso mesmo eu teria prestado atenção ao que ela falou. Baixei os olhos e fiquei observando Coelho fuçar um formigueiro, até que ele parou. Provavelmente uma formiga mordeu o focinho dele. Cachorro burro do caralho...
-Quando virá à minha casa para conversarmos e tomarmos uma sopa, talvez um café?
“Nunca, é claro, meu saco metafísico já não agüenta mais tanta ladainha!”
-Logo que puder, Dona Mirtes, eu ando trabalhando demais, tenho coisas para resolver; eventualmente eu passo por aqui, passeando com meu cachorro...
-Ele é adorável!- Ela me interrompeu. Vaca!
-...e passo em sua casa, para conversarmos mais. Ainda lembro do sabor da sua sopa, será um prazer.
-O prazer será meu, querida...- Eu comecei a andar com o Coelho-Volte sempre!
Nem me virei pra acenar, eu queria me livrar logo da arara cinza tagarela.
Voltando ao meu momento nostálgico. Cumprimentei mais alguns vizinhos antigos e fui parar na casa de Dona Lea. Era uma senhora interessante desde meus tempos de pirralha. Ela era hippie nos tempos de moça, ainda usava aquelas roupas folgadas, os cabelos compridos, óculos redondos, um ar esotérico; e eu, quando pequena, achava que ela podia prever o futuro, então tudo que ela me falava, virava profecia.
-Sabia que você viria! O sol está sobre a constelação de peixes hoje; você foi a primeira pisciniana que me veio à cabeça!
Ok, eu estava impressionada demais pra falar.
-Como a senhora está?- Eu estava realmente feliz, foi tudo que consegui falar enquanto ela me servia chá numa xícara de porcelana cheia de luas estampadas. Coelho brincava no quintal com uma bola.
-Muito bem, querida, aconteceram tantas coisas desde que você se mudou...
Eu me sentia enérgica demais diante da personalidade mais intrigante que conheci na vida; fiz todas as perguntas que me lembrei de fazer, até as que eu tinha desde minha infância. Não queria que o tempo passasse, eu precisava tanto daquele refúgio, daquele vapor de chá, do cheiro de incenso, fugir um pouco do meu mundo impenetrável e penetrar no mundo dela; só vim acordar às 21 horas, com Coelho dormindo no meu colo, exausto, e eu havia dispensado o chá (odeio chá!) e pulado pro café. Dona Lea me fazia sentir tão bem.
-Infelizmente tenho que ir agora; tenho essa criatura pra alimentar.- Fui me levantando com Coelho nos braços e dona Lea me acompanhou até o portão, andando devagar com sua bengala de madeira. Me virei para beijá-la na testa e recebi um abraço de mãe, terno, carinhoso, com cachorro e tudo.
-Você acredita em amor, Helena?- Ela perguntou comigo nos braços. Eu estava chocada demais pra responder tal pergunta. Aliás, nem respondi, só parei pra escutar.
-Não importa, ele acredita em você. Quando voltar, me mostre de novo esta esperança em coma que há em seus olhos castanhos, dessa vez, viva como você era aos seus oito anos.- Ela me encarou com seus olhos brilhantes -Certo, querida? -E sorriu amavelmente.
-Farei o possível.- Eu consenti.
Em casa, Coelho comeu e dormiu logo. Bem que eu gostaria de ter tido a mesma facilidade pra me entregar ao sono naquela noite. “Tudo que ela me falava virava profecia”.Meu misto de excitação e receio não permitiu.

3 comentários:

Barbie Destrossada(sic) disse...

Chá em uma xícara com luas estampadas: Obrigada por este momento, Maria Helena.
A lembrança mais flutuante e mais onírica que podias oferecer!
És amada Maria e admirada Helena.

Beijos maternais,
Barbie Destrossada(sic).

Marcos Antônio disse...

Gostaria de saber o que teria acontecido em tua vida Helena...
(Nem me atrevo a dizer Leninha,pois que nesse mundo teu- impenetravel-deves odiar os intrometidos).

Mas Maria, o que se passou em algum momento de tua vida oara q sejas assim, tão aspera a expernos?

Como escreves, e quem escreve escreve a leitores, peço na condição de leitor que me respondas...

duvidas

Anônimo disse...

tem um monte de pergunta pra fazer, mas como eu não tenho muita intimidade...

considerações sobre nomes:
o pobre do cachorro se chama Coelho? Não tinha um nome mais digno não? rsrs

sobre o nome Helen... hummm...
eu prefiro Helena mesmo.

xero, menina.