M.H te enxerá as entranhas com reflexões. Se não estiver a fim, favor ir ao próximo post. Obrigada.
Já falei que detesto o silêncio?
"Mas Helena! É algo tão raro no mundo barulhento de hoje em dia!"
E daí, caramba?
Silêncio pra mim sempre foi sinônimo de morbidez, de falta de vida, de vontade, de interesse.
Quem cala não consente... desiste.
O silêncio não traz a paz... traz o medo.
A alegria do riso acaba com o... silêncio.
A vida de uma casa se vai com o ... silêncio
Duas pessoas em silêncio são dois seres que abdicam do seu direito de expressão.
Uma pessoa calada é uma pessoa sem companhia (o que nem sempre é ruim, mas a maior parte das vezes é).
Uma pessoa silencia diante de outra... se não é porquê está ouvindo, é desprezo.
Eu não sei apreciar o silêncio. E deve ser por isso que minha casa está sempre com o som alto, com o cachorro latindo, com minha filha vendo TV. Ou comigo mesma fazendo algum ruído na cozinha (deve ser por isso que amo pipoca; adoro comida barulhenta). Silêncio pra mim nunca foi boa coisa: sempre significou coisa alguma, e com "coisa alguma" eu não sei conviver.
Eu até tentei. Minha mãe, em uma de suas raras visitas ao meu apartamento, me avisou do barulho de carros constante na minha janela, da minha obsessão pelo barulho, da minha falta de paciência com o banheiro silencioso. Até quando eu ia a um lugar verde eu providenciava fones de ouvido!
E eu, poluída do jeito que sempre fui, nem ligava.
E não ligo mesmo.
domingo, 23 de maio de 2010
sábado, 22 de maio de 2010
Do sanatório ao sanitário.
Quando ela era menor, tipo doze anos, sua mãe lhe achava louca. Louca mesmo, de internar, sedar, dar choque. Tudo porquê ela gostava de toca-discos, café, e Janis Joplin... aos doze anos!
Foi aos doze também que ela descobriu que tinha gastrite nervosa; uma inflamação bem chatinha no estômago que atacava quando seus nervos se alteravam. As crises resultavam em muita dor na barriga e vômito. Muito vômito. Lembro de uma vez que ela vomitou tanto que, quando começou a sangrar, ela se assustou e engoliu o choro pra não precisar repor o sangue que perdeu. Ela era O negativo, sangue raro pra porra, demoraria horas pra achar bolsas de sangue compatível e ela morreria na sala de espera. Morrer pra ela também não era uma idéia tão assustadora, mas o problema era que ela só tinha... doze anos!
Dia desses, de sol ou de chuva, sei lá, não importa, ela estava feliz com seu novo par de all stars chupando um picolé. Ela tinha um amigo, Dito, que era um pastel. Dito dizia coisas babacas, como “Você foi pra escola?” enquanto a via voltar pra casa ao meio dia vestida com o uniforme. Ou ainda “Você cortou o cabelo?” quando ela aparecia com a cabeça praticamente raspada (outro motivo que eu acho que sua mãe lhe considerava louca: ela cortava o cabelo bem curto, pra não precisar pentear tanto).
Nesse tal dia, ela tava chupando a porcaria do picolé, e o que Dito lhe perguntou?
“Você tá chupando picolé?”
“Não, Dito... Tou chupando...”
Ela falou uma pornofonia.
Dito abriu a boca pra mãe dela, que abriu a boca pro pai dela, que abriu a boca dela e lavou com sabão. Acho que eles achavam que a loucura dela iria embora junto com a espuma. Foi uma espécie de terapia forçada, sabe? Tipo quando os loucos levam choque pra se curarem da insanidade.
Ela se sentiu num sanatório mesmo, com sua mãe lhe segurando os braços, seu irmão forçando sua cabeça contra a pia, seu pai lavando sua boca com uma bucha amarela e sabonete líquido de erva doce. “Pra você aprender a dizer palavras limpas!” Ele repetia.
A gastrite atacou, ela vomitou horrores na privada, sua mãe achava que era por causa do sabão (só uma tia dela sabia de seu desconforto estomacal); ela chorou, ouviu “Maybe”, da Joplin, o resto da tarde, enfiada no quarto. E nunca mais falou o que falou pro Dito no dia que tava chupando aquela porcaria de picolé.
Apesar de se lembrar toda vez que sai de casa num dia quente e compra um.
Foi aos doze também que ela descobriu que tinha gastrite nervosa; uma inflamação bem chatinha no estômago que atacava quando seus nervos se alteravam. As crises resultavam em muita dor na barriga e vômito. Muito vômito. Lembro de uma vez que ela vomitou tanto que, quando começou a sangrar, ela se assustou e engoliu o choro pra não precisar repor o sangue que perdeu. Ela era O negativo, sangue raro pra porra, demoraria horas pra achar bolsas de sangue compatível e ela morreria na sala de espera. Morrer pra ela também não era uma idéia tão assustadora, mas o problema era que ela só tinha... doze anos!
Dia desses, de sol ou de chuva, sei lá, não importa, ela estava feliz com seu novo par de all stars chupando um picolé. Ela tinha um amigo, Dito, que era um pastel. Dito dizia coisas babacas, como “Você foi pra escola?” enquanto a via voltar pra casa ao meio dia vestida com o uniforme. Ou ainda “Você cortou o cabelo?” quando ela aparecia com a cabeça praticamente raspada (outro motivo que eu acho que sua mãe lhe considerava louca: ela cortava o cabelo bem curto, pra não precisar pentear tanto).
Nesse tal dia, ela tava chupando a porcaria do picolé, e o que Dito lhe perguntou?
“Você tá chupando picolé?”
“Não, Dito... Tou chupando...”
Ela falou uma pornofonia.
Dito abriu a boca pra mãe dela, que abriu a boca pro pai dela, que abriu a boca dela e lavou com sabão. Acho que eles achavam que a loucura dela iria embora junto com a espuma. Foi uma espécie de terapia forçada, sabe? Tipo quando os loucos levam choque pra se curarem da insanidade.
Ela se sentiu num sanatório mesmo, com sua mãe lhe segurando os braços, seu irmão forçando sua cabeça contra a pia, seu pai lavando sua boca com uma bucha amarela e sabonete líquido de erva doce. “Pra você aprender a dizer palavras limpas!” Ele repetia.
A gastrite atacou, ela vomitou horrores na privada, sua mãe achava que era por causa do sabão (só uma tia dela sabia de seu desconforto estomacal); ela chorou, ouviu “Maybe”, da Joplin, o resto da tarde, enfiada no quarto. E nunca mais falou o que falou pro Dito no dia que tava chupando aquela porcaria de picolé.
Apesar de se lembrar toda vez que sai de casa num dia quente e compra um.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
Susan não sabia morrer
Era patética a forma como Susan falava em suicídio.
"Eu sou um lixo! Eu quero a morte! Prefiro ela à ter que viver nesse corpo!"
Talvez ela fosse tudo isso, e eu só me sentava com uma caneca de qualquer coisa quente (na maioria das vezes, café, meu companheiro eterno e inseparável) na primeira poltrona que visse pela frente, onde pudesse vislumbrar o espetáculo que era Susan arrancar tufos de cabelo e rasgar a camisola.
No fim de tudo, ela me olhava com os olhos inchados de chorar, a boca seca e meio torta de tanto gritar, a voz rouca e os cabelos desgrenhados, e perguntava;
-Por quê tá olhando pra mim?
Eu estava vendo uma macaca em trabalho de parto falando. Mas ao invés de dizer isso, eu respondia secamente com um "nada, uai" e continuava bebendo meu café, louca de curiosidade pra ver o chipamzézinho que ia sair dali.
-Posso ir lá fora acender meu cigarro? - Eu perguntava só pra provocá-la e vê-la recomeçar seu show pirotécnico de macaca-que-vai-parir.
O que, de fato, acontecia.
"Eu sou um lixo! Eu quero a morte! Prefiro ela à ter que viver nesse corpo!"
Talvez ela fosse tudo isso, e eu só me sentava com uma caneca de qualquer coisa quente (na maioria das vezes, café, meu companheiro eterno e inseparável) na primeira poltrona que visse pela frente, onde pudesse vislumbrar o espetáculo que era Susan arrancar tufos de cabelo e rasgar a camisola.
No fim de tudo, ela me olhava com os olhos inchados de chorar, a boca seca e meio torta de tanto gritar, a voz rouca e os cabelos desgrenhados, e perguntava;
-Por quê tá olhando pra mim?
Eu estava vendo uma macaca em trabalho de parto falando. Mas ao invés de dizer isso, eu respondia secamente com um "nada, uai" e continuava bebendo meu café, louca de curiosidade pra ver o chipamzézinho que ia sair dali.
-Posso ir lá fora acender meu cigarro? - Eu perguntava só pra provocá-la e vê-la recomeçar seu show pirotécnico de macaca-que-vai-parir.
O que, de fato, acontecia.
terça-feira, 11 de maio de 2010
Os Cristos de Ana Paula
Ana Paula era uma dessas amigas que a gente deixa para os dias em que todas as boas amigas nos abandonam e não sobra mais ninguém. Ela era melhor do que nada. O problema é que Ana Paula via coisas. Jesus Cristo, por exemplo.
Meu truque era manter a conversa animada para ela não sair devaneando, olhar para o horizonte e ver. Quando ela via, seu maxilar ficava frouxo e o olhar vidrado. Era um saco. Meu medo era olhar na mesma direção e ver. Eu não queria ver nada. Seus olhos azuis se enchiam de lágrimas e ela falava:
"Oh! Ele está tão lindo hoje!"
Nunca perguntei, mas tenho a impressão que cada dia Ele aparecia com uma cara diferente.
Nunca mandei Ana Paula plantar batatas. Devia. Vira e mexe ela ia para a enfermaria, depois era dispensada. Até que um dia ela mudou de escola. No meio da semana, no meio do ano, sem explicação. Depois que Ana Paula se foi, toda vez que eu passava pela árvore onde Cristos apareciam para ela, eu corria feito louca.
Temia que Eles aparecessem para mim também. Tínhamos o cabelo meio parecido.
Índigo.
Cobras em compota.
Brasília; 2006.
http://diariodaodalisca.zip.net/
Meu truque era manter a conversa animada para ela não sair devaneando, olhar para o horizonte e ver. Quando ela via, seu maxilar ficava frouxo e o olhar vidrado. Era um saco. Meu medo era olhar na mesma direção e ver. Eu não queria ver nada. Seus olhos azuis se enchiam de lágrimas e ela falava:
"Oh! Ele está tão lindo hoje!"
Nunca perguntei, mas tenho a impressão que cada dia Ele aparecia com uma cara diferente.
Nunca mandei Ana Paula plantar batatas. Devia. Vira e mexe ela ia para a enfermaria, depois era dispensada. Até que um dia ela mudou de escola. No meio da semana, no meio do ano, sem explicação. Depois que Ana Paula se foi, toda vez que eu passava pela árvore onde Cristos apareciam para ela, eu corria feito louca.
Temia que Eles aparecessem para mim também. Tínhamos o cabelo meio parecido.
Índigo.
Cobras em compota.
Brasília; 2006.
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