sábado, 22 de maio de 2010

Do sanatório ao sanitário.

Quando ela era menor, tipo doze anos, sua mãe lhe achava louca. Louca mesmo, de internar, sedar, dar choque. Tudo porquê ela gostava de toca-discos, café, e Janis Joplin... aos doze anos!
Foi aos doze também que ela descobriu que tinha gastrite nervosa; uma inflamação bem chatinha no estômago que atacava quando seus nervos se alteravam. As crises resultavam em muita dor na barriga e vômito. Muito vômito. Lembro de uma vez que ela vomitou tanto que, quando começou a sangrar, ela se assustou e engoliu o choro pra não precisar repor o sangue que perdeu. Ela era O negativo, sangue raro pra porra, demoraria horas pra achar bolsas de sangue compatível e ela morreria na sala de espera. Morrer pra ela também não era uma idéia tão assustadora, mas o problema era que ela só tinha... doze anos!
Dia desses, de sol ou de chuva, sei lá, não importa, ela estava feliz com seu novo par de all stars chupando um picolé. Ela tinha um amigo, Dito, que era um pastel. Dito dizia coisas babacas, como “Você foi pra escola?” enquanto a via voltar pra casa ao meio dia vestida com o uniforme. Ou ainda “Você cortou o cabelo?” quando ela aparecia com a cabeça praticamente raspada (outro motivo que eu acho que sua mãe lhe considerava louca: ela cortava o cabelo bem curto, pra não precisar pentear tanto).
Nesse tal dia, ela tava chupando a porcaria do picolé, e o que Dito lhe perguntou?
“Você tá chupando picolé?”
“Não, Dito... Tou chupando...”
Ela falou uma pornofonia.
Dito abriu a boca pra mãe dela, que abriu a boca pro pai dela, que abriu a boca dela e lavou com sabão. Acho que eles achavam que a loucura dela iria embora junto com a espuma. Foi uma espécie de terapia forçada, sabe? Tipo quando os loucos levam choque pra se curarem da insanidade.
Ela se sentiu num sanatório mesmo, com sua mãe lhe segurando os braços, seu irmão forçando sua cabeça contra a pia, seu pai lavando sua boca com uma bucha amarela e sabonete líquido de erva doce. “Pra você aprender a dizer palavras limpas!” Ele repetia.
A gastrite atacou, ela vomitou horrores na privada, sua mãe achava que era por causa do sabão (só uma tia dela sabia de seu desconforto estomacal); ela chorou, ouviu “Maybe”, da Joplin, o resto da tarde, enfiada no quarto. E nunca mais falou o que falou pro Dito no dia que tava chupando aquela porcaria de picolé.
Apesar de se lembrar toda vez que sai de casa num dia quente e compra um.

2 comentários:

Rafa Borges disse...

Vou voltar a frequentar esse blog... leitura muito agradavel.
"A única diferença entre os loucos e eu, é que eles gritam as minhas inquietações."
Beijos!
Rafa

alguém disse...

Eu gostei!