terça-feira, 11 de maio de 2010

Os Cristos de Ana Paula

Ana Paula era uma dessas amigas que a gente deixa para os dias em que todas as boas amigas nos abandonam e não sobra mais ninguém. Ela era melhor do que nada. O problema é que Ana Paula via coisas. Jesus Cristo, por exemplo.
Meu truque era manter a conversa animada para ela não sair devaneando, olhar para o horizonte e ver. Quando ela via, seu maxilar ficava frouxo e o olhar vidrado. Era um saco. Meu medo era olhar na mesma direção e ver. Eu não queria ver nada. Seus olhos azuis se enchiam de lágrimas e ela falava:
"Oh! Ele está tão lindo hoje!"
Nunca perguntei, mas tenho a impressão que cada dia Ele aparecia com uma cara diferente.
Nunca mandei Ana Paula plantar batatas. Devia. Vira e mexe ela ia para a enfermaria, depois era dispensada. Até que um dia ela mudou de escola. No meio da semana, no meio do ano, sem explicação. Depois que Ana Paula se foi, toda vez que eu passava pela árvore onde Cristos apareciam para ela, eu corria feito louca.
Temia que Eles aparecessem para mim também. Tínhamos o cabelo meio parecido.

Índigo.
Cobras em compota.
Brasília; 2006.
http://diariodaodalisca.zip.net/

2 comentários:

Aline disse...

Quando comecei a leitura, reconheci o texto mas n lembrei nem a pau de quem era. Tenho um livro de contos de Indigo, q tem esse texo. acho ela massa!

;*

Barbie Destrossada(sic) disse...

Sem palavras pra essas palavras. Ok... alguma palavra eu tenho... Sintonizei!